A China ordenou uma revisão nacional dos livros escolares depois que ilustrações consideradas “feias, sexualmente sugestivas e secretamente pró-americanas” causaram alvoroço público.

A notícia alarmou alguns especialistas e pais que temem que a campanha esteja se transformando em uma caça às bruxas política e represente um aperto desnecessário da já rigorosa censura do país às publicações culturais.

Os desenhos, encontrados em uma série de livros didáticos de matemática usados ​​pelas escolas primárias chinesas há quase uma década, são controversos por vários motivos.

Alguns internautas chineses criticaram as fotos de crianças com olhos pequenos, caídos e grandes como feias, ofensivas e racistas.

Outros ficaram indignados com o que veem como conotações sexuais nos desenhos. Algumas das fotos mostram garotinhos com uma protuberância nas calças que se parece com o contorno de seus genitais; em uma ilustração de crianças brincando, um menino está com as mãos no tórax de uma menina enquanto outro puxa a saia de outra menina; em outro desenho, a calcinha de uma menina é exposta enquanto ela pula corda.

Os internautas também acusaram as ilustrações de serem “pró-Estados Unidos”, porque mostram várias crianças vestindo roupas estampadas com estrelas e listras e nas cores da bandeira americana.

Um desenho que mostrava uma representação imprecisa das estrelas na bandeira chinesa foi acusado de ser “anti-China”.

Internautas chineses ficaram ofendidos com o que veem como conotações sexuais em algumas ilustrações / Imprensa de Educação do Povo

A indignação com as ilustrações dominou as discussões nas redes sociais chinesas desde quinta-feira (26), quando as fotos dos desenhos circularam pela primeira vez online.

Várias hashtags relacionadas acumularam dezenas de milhões de visualizações no Weibo, a plataforma chinesa semelhante ao Twitter.

Muitos expressaram choque e raiva por tais ilustrações não só terem chegado aos livros didáticos publicados pela estatal Imprensa de Educação do Povo, a maior editora de livros didáticos do país, fundada em 1950, mas terem passado despercebidos por tantos anos (os livros didáticos foram em uso em todo o país desde 2013).

Outros questionaram como esses livros passaram pelo processo de revisão de publicação notoriamente rigoroso do país.

Influenciadores nacionalistas rapidamente colocaram a culpa na “infiltração cultural ocidental”, alegando – sem dar provas – que os ilustradores estavam trabalhando secretamente para “forças estrangeiras”, especialmente os Estados Unidos, para corromper crianças inocentes em escolas chinesas.

Em meio ao alvoroço, a Imprensa de Educação do Povo disse na quinta-feira que estava retirando os livros didáticos e redesenhando as ilustrações – mas isso não conseguiu acalmar a raiva do público.

No sábado (27), o Ministério da Educação da China interveio, ordenando à editora que “retifique e reforme” suas publicações e garanta que a nova versão esteja disponível para o próximo semestre. Também ordenou uma “inspeção completa” dos livros didáticos em todo o país para garantir que os materiais didáticos “aderem às orientações e valores políticos corretos, promovam a excelente cultura chinesa e estejam em conformidade com os gostos estéticos do público”.

Internautas chineses criticaram as ilustrações, chamando-as de “feias, ofensivas e racistas” / Imprensa de Educação do Povo

Mas a campanha não é apenas sobre valores estéticos e morais – há também um componente ideológico. Os livros didáticos têm estado na frente e no centro dos esforços do líder chinês Xi Jinping para reforçar o controle ideológico sobre a juventude do país e afastar a influência dos “valores ocidentais”.

Sob Xi, o governo chinês proibiu materiais didáticos estrangeiros – incluindo romances clássicos – em todas as escolas públicas primárias e secundárias, afirmando que todos os materiais didáticos “devem refletir a vontade do partido e do país”.

As críticas aos livros didáticos também se transformaram em ataques pessoais aos ilustradores.

Wu Yong, cujo estúdio de arte desenhou as ilustrações, foi acusado de ser um espião da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA). Mesmo a alma mater de Wu, a Academia de Artes e Design da prestigiosa Universidade Tsinghua da China, não foi poupada da ira de usuários nacionalistas suspeitos.

Alguns acusaram a academia de ser um “viveiro de procriação de traidores”; outros miraram em seu logotipo, dizendo que se assemelhava a uma pessoa ajoelhada segurando um garfo – um símbolo interpretado como reverência ao Ocidente.

Em um sinal de quão longe a ira nacionalista foi, até mesmo o artista gráfico de alto nível Wuheqilin – que ficou famoso zombando de países ocidentais com sua arte ultranacionalista – foi criticado. Nacionalistas acusaram Wuheqilin de ajudar as forças anti-China depois que ele sugeriu que a baixa qualidade das ilustrações era provavelmente resultado das baixas comissões oferecidas aos designers – um problema que ele disse que a indústria enfrentava há anos.

A mídia estatal também entrou na conversa. “Os livros didáticos tóxicos soam o alarme de segurança ideológica da infiltração”, gritou uma manchete no Global Times, um veículo nacionalista estatal, na segunda-feira (30).

“Os livros expostos nas recentes campanhas dos internautas são horríveis. As lições das regiões de Hong Kong e Xinjiang parecem um alarme para nós de que livros didáticos problemáticos não são uma questão de estética, mas uma ameaça à segurança ideológica do país e ao futuro da nação”, disse Qin An, professor da Universidade de Tianjin, segundo o Global Times.

“As ilustrações em muitos livros didáticos têm elementos obviamente ocidentalizados que difamam os chineses. São um sinal claro de luta ideológica”, disse Qin ao jornal.
Nos últimos dias, um volume crescente de materiais didáticos tem sido criticado online por favorecer a cultura ocidental ou promover valores problemáticos. Outros têm como alvo ilustrações em livros de educação sexual, gerando preocupações de que a publicação de tais materiais educacionais – que já estão em falta na China – também será afetada.

“Eu me preocupo que isso tenha se tornado uma questão politicamente carregada que não permite uma consideração imparcial dos fatos relevantes”, disse Dali Yang, cientista político da Universidade de Chicago.

Paul Huang, pai de uma criança de cinco anos na cidade de Guangzhou, no sul, disse que, embora tenha ficado feliz em ver ilustrações mal desenhadas sendo removidas dos livros, está preocupado com o fato de o assunto ter sido politizado.

“Como pai, em comparação com a infiltração de forças estrangeiras, estou mais preocupado com a censura abertamente rigorosa de conteúdo que poderia oferecer às crianças uma perspectiva mais livre e diversificada”, disse ele.

“Tal censura está tornando nossos livros didáticos cada vez mais conservadores e maçantes, o que não é bom para o desenvolvimento das crianças.”
Algumas editoras já foram afetadas.

No sábado, a 7.Hi Books, uma editora de mangá na cidade oriental de Hangzhou, pediu desculpas a seus leitores por ter adiado a publicação de seus quadrinhos.

“Fomos informados hoje que, devido a um incidente social causado por uma determinada editora, todos os livros ilustrados infantis publicados entraram em um estágio de inspeção, e nossos quadrinhos inéditos terão que ser adiados”, disse no Weibo.

Na seção de comentários, muitos leitores disseram que previram a situação.

“Está começando de novo. Eles nunca regulam o que deveria ser regulado, e só visam aqueles que não deveriam ser alvos”, disse o principal comentário com 30.000 votos positivos.

Este conteúdo foi criado originalmente em inglês.

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Fonte: CNN Brasil