O ano de 2022 não foi fácil para o mercado de ativos — corretoras e investidores do mundo cripto que o digam.

De 1º de janeiro a 31 de dezembro, a capitalização e valor de mercado de toda a categoria despencou de US$ 2,25 trilhões para US$ 765 bilhões, uma queda de mais de 60%, segundo dados coletados pela plataforma TradingView.

Os números confirmam um movimento que era, ao menos em tese, esperado: a chegada do “inverno cripto”, período em que o setor tradicionalmente entra em “bear market”, ou mercado de urso, que é quando há baixos investimentos e quedas de ações.

A conjuntura econômica global adicionou mais turbulências, e o que antes parecia “apenas” um inverno rigoroso logo se transformou em temores de uma “era do gelo”.

Os movimentos de alta nas taxas de juros, coordenados no mundo em combate a insistentes escaladas inflacionárias, é um dos fatores por trás da brusca desvalorização do setor, que atingiu, em 2021, recordes de valor de mercado, segundo Alexandre Ludolf, diretor de investimentos da QR Asset Management.

Para ele, os apertos monetários e as situações geopolíticas complexas, como a guerra na Ucrânia e as tensões entre China e Taiwan, são algumas das justificativas para esse baque. Além disso, entram na conta particularidades do setor, como a falência da corretora FTX e o colapso do blockchain Terra, que levou consigo seu token nativo, Luna, e sua stablecoin, a UST.

“Cripto tem sofrido especialmente mais por ser um setor novo e de risco”, diz Ludolf.

“Boa parte dessa queda na capitalização de mercado está relacionada a uma menor liquidez no mundo.” Nesse cenário, o apetite por risco dos investidores permanece inibido.

E, se a virada de ano no calendário é sinônimo de renovação para milhares de pessoas, especialistas preveem que, ao menos no curto prazo, talvez esse não seja o caso para as criptomoedas em 2023.

Ano novo, “inverno” velho?

Segundo analistas consultados pela CNN, a expectativa é que o quadro desafiador de 2022 se estenda para este ano, mas um pouco mais brando.

“Estamos esperando que nada aconteça de muito pesado que alongue o bear market”, disse Lendel Lucas, CEO da iVi Technologies, gestora de investimentos quantitativos.

“Temos, hoje, os efeitos da falência da FTX e de saques bilionários da Binance. Se esses continuarem a ser os problemas do setor, acredito que eles se tornarão mais laterais no segundo trimestre do ano. Pode ser que o setor caia mais 15% novamente, mas não passa disso, e, depois do segundo trimestre, comece a ter uma trajetória de ‘bull run’.”

“Bull run” (corrida de touros, em inglês) significa que o mercado está em forte atividade, apresentando bons índices de crescimento e ações em alta. É o oposto de bear market.

De acordo com Lucas, o bear market normalmente dura entre um ano e um ano e três meses; o bull run, dois anos. “O pico do setor deve ser em 2024”, prevê.

O efeito da macroeconomia global, porém, não pode ser descartado das análises e expectativas para o setor cripto em 2023.

Com as elevadas taxas de juros nos Estados Unidos e na zona do euro, as criptomoedas seguirão pressionadas, “mas uma situação de estabilidade na política monetária internacional, mesmo que em juros altos, vai deixar que os ativos de risco performem”, explica Ludolf.

“O fim do aperto monetário vai trazer muitos benefícios para as criptos. Estamos esperando um alinhamento que gere um cenário positivo”, disse ele.

“Resiliência e amadurecimento”

Na visão dos especialistas, o ano de 2022, ainda que desafiador, comprovou que as criptomoedas vieram para ficar.

“Olhando para a volatilidade da classe de ativos, cripto caiu parecido com as grandes empresas de tecnologia global. Pensa em tudo que está acontecendo com a economia do mundo e cripto está caindo parecido”, diz Ludolf. “Isso, para mim, é sinal de resiliência e amadurecimento.”

Na mesma linha, Lucas acredita que os problemas vividos pelo setor, da quebra da FTX ao colapso do blockchain Terra, geram impactos de curto prazo — muitos dos quais já foram precificados pelas quedas no valor de mercado do mundo cripto.

“Muita gente fala que isso vai ser a causa da morte do bitcoin. Na história dele, ele já quase morreu quatro vezes, mas é só olhar o preço. A chance dele quebrar é quase zero”, diz ele.

“Temos grandes empresas, como a Tesla, comprando reservas de tesouro em bitcoin, temos países adotando criptomoedas, bilionários representando o setor… Enfim, tudo reforça a ideia de que é o futuro do dinheiro e estamos muito confiantes com isso. O saldo de 2022 é esse, e estamos mirando no longo prazo.”

Por causa disso, os especialistas acreditam que não procedem os temores de ter sido instalada uma “era do gelo” no mundo cripto. “Olhando os outros cenários de queda, esse ciclo não está mais severo que os anteriores. Está dentro das últimas correções”, diz Ludolf.

“Quando olhamos para o todo, tudo no mercado cripto representa US$ 800 bilhões. Existem empresas que, sozinhas, valem trilhões. Uma empresa poder ser maior que toda uma indústria me faz pensar que tudo ainda está bem inicial.”

Mais regulação

Ao mesmo tempo em que emerge do inverno, o mundo cripto, na visão dos analistas, tem 2023 como chave para um maior amadurecimento — inclusive em regulação.

Para Ludolf, a expectativa é que o “martelo regulatório venha forte”.

“O trabalho do regulador é proteger o investidor médio”, diz ele. “Players não regulados, honestos, que não participaram dos problemas relacionados à FTX, poderão sofrer mais, mas terão mais estabilidade e proteção.”

O caso FTX, aliás, é entendido pelos especialistas como um possível catalisador para que mais medidas regulatórias entrem em curso.

“Eu estou muito confiante que 2023 será o ano desse barco regulatório. Estamos vendo uma movimentação no Congresso dos EUA em que os dois partidos, o Republicano e o Democrata, estão a favor de uma regulação do mercado que entendemos como bem positiva, não somente punitiva”, comenta Lucas.

“Com o colapso da FTX, todo esse processo será muito mais acelerado. Se antes a expectativa é que demorasse um pouco mais, entre um e dois anos, todo o caso envolvendo o então CEO da corretora colocou as regulações na ordem do dia.”

Olhando para o Brasil, Lucas acredita que o país “saiu na frente”, graças à sanção do Marco Legal dos Criptoativos, em 22 de dezembro do ano passado. A nova lei determina que a responsabilidade por apontar o regulador do mercado cripto recaia sobre o Executivo, embora hajam expectativas de que o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Imobiliários (CVM) sejam indicados a depender da classe do ativo.

O texto estabelece, também, diretrizes para prestação e regulação de prestadoras de serviços de ativos virtuais, como a livre concorrência e atenção às regras de prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao Terrorismo (PLDCT).

“A Lei dos Criptoativos é um marco para o setor financeiro brasileiro e insere o Brasil em um grupo seleto de países que contam legislação específica para regulamentar criptoativos. Com a entrada em vigor da lei, esperamos que o regulador atue ativamente na elaboração das diretrizes mais detalhadas sobre o tema”, disse o presidente da Associação Brasileira de Internet (Abranet), Eduardo Neger, em comunicado.

Fonte: CNN Brasil