O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores, e o real mantiveram uma tendência de alta nos últimos dias mesmo com um desempenho mais fraco de bolsas e moedas ao redor do mundo. No jargão do mercado, eles estão “descolados”.

Nesta segunda-feira (29), por exemplo, o dólar chegou à menor cotação em relação ao real desde 15 de junho, e voltou a rondar valores abaixo de R$ 5,05. Já o índice voltou a cotações superiores aos 110 mil pontos, registrados pela última vez no início de junho.

Ao CNN Brasil Business, analistas apontam uma combinação de fatores que geraram um fluxo de entrada de investimentos para o mercado brasileiro mesmo em um contexto de aversão a riscos e retirada de investimentos em países emergentes. Com isso, o Ibovespa e o real têm se recuperado em relação à forte queda no segundo trimestre de 2022.

Commodities, juros e economia

Atualmente, as ações de empresas ligadas a commodities tem um peso de cerca de 30% na composição do Ibovespa. Ou seja, as flutuações dessas ações têm forte impacto no índice.

Por sua vez, os papéis costumam refletir as cotações das próprias commodities, seguindo movimentos de valorização ou queda.

A partir de julho, e com mais força em agosto, as commodities tiveram uma leve alta e mantiveram patamares altos com uma melhora nas perspectivas de demanda, beneficiando o mercado brasileiro, segundo Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research.

Ele destaca que, desde a metade de 2021, o mercado havia adotado uma postura mais pessimista quanto à economia brasileira, associada a temores fiscais, políticos e pelo movimento então recém-iniciado de alta de juros.

O mercado precificou um ambiente de incertezas, retirando investimentos e fazendo o Ibovespa e o real caírem.

“O que vê agora é que o mercado colocou muito pessimismo nas eleições, e as empresas ficaram extremamente descontadas, com a bolsa muito barata. Ela estava em nível de grande crise mesmo sem termos uma grande crise”, afirma.

Entre esses fatores de melhora está o indicativo dos candidatos à Presidência de seguimento de uma âncora fiscal, mesmo que ela não seja o teto de gastos, alivindo temores fiscais.

Com a perspectiva de que o cenário não está, ou não deve ser, tão ruim quanto o planejado, há uma reprecificação, abrindo margem para a alta dos últimos dias.

Pedro Serra, chefe de pesquisas da Ativa Investimentos, destaca que os resultados financeiros das empresas no segundo trimestre corroboraram a avaliação que as suas ações estão muito baratas, atraindo investimentos.

Outro fator que leva a esse descolamento é a “melhora de percepção para o PIB brasileiro, e a inflação com números melhores que o esperado. Há ainda a visão mais clara de até onde vão os juros, em 13,75%, caindo ano que vem”.

Com mais segurança e uma economia mais forte no curto prazo, o mercado tem tido “fundamentos, solidez, previsibilidade”, segundo Serra, ao mesmo tempo em que o mundo está sendo “surpreendido, com dúvida forte quanto ao ciclo de juros”.

“O Brasil está em uma situação completamente diferente. Começamos a subir juros antes, estamos no fim do aperto monetário enquanto lá fora está piorando”, observa.

Para Raphael Figueredo, sócio e analista técnico CNPI da Eleven Financial, o momento internacional favorece commodities, em especial o petróleo, que está ligado à empresa que ele acredita ser a grande protagonista desse descolamento, a Petrobras.

Ele afirma que a estatal foi responsável por cerca de 30% da valorização do Ibovespa desde junho. “Primeiro porque há o próprio movimento do petróleo, que sobe forte com o problema de escassez e corrige pouco para baixo”.

Com uma manutenção da política de preços, as ações da Petrobras acompanham melhor a cotação da commodity. Houve, ainda, uma “mudança de patamar pensando em governança, eficiência. Conseguiu resultados fortes e, com isso, passou a pagar bons dividendos”.

Figueiredo também vê um peso forte da “surpresa positiva” da economia brasileira, com revisões de PIB e inflação.

“O Brasil acaba levando uma vantagem, e o investidor estrangeiro está marcando essa percepção de melhora da atividade local, muito contribuído por Petrobras, mas também por bancos”, diz.

Além disso, ele lembra que “quando o Banco Central tem diretriz de taxa de juros diferente do resto do mundo, com os países ainda subindo as taxas, atrai recursos de capital estrangeiro”.

O resultado é que tanto o real quanto o Ibovespa têm as melhores performances dentre seus pares emergentes, “não sentindo tanto o impacto do medo de uma recessão global”.

Barbosa, da Nord, vê a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em 2 e 3 de agosto como o gatilho para o movimento recente de entrada de fluxo de capitais no país.

“O Copom foi suave, e depois vimos os juros futuros do Brasil caindo e o Ibovespa subindo. Há a perspectiva de que o ciclo de juros acabou, já está em patamar alto, enquanto outros países ainda vão precisar subir mais”, avalia.

Para ele, há uma correlação entre o desempenho médio de commodities e do Ibovespa. “Se as bolsas dos Estados Unidos não caem muito, e as commodities sobem ou permanecem em patamar elevado, o Ibovespa tem espaço para subir”, afirma. E esse seria o cenário atual.

O sócio da Nord também vê como positivo o esforço da China para estimular a economia, injetando mais dinheiro no mercado, o que tende a aumentar a demanda por commodities e beneficiando exportadores como o Brasil.

Além dos aspectos externos, Barbosa considera que houve uma revisão de expectativas quanto ao cenário eleitoral, que não tem sido “tão ruim quanto o esperado. O mercado previu catástrofe, levou em conta o risco que temos, mas agora viu que não está tão ruim assim”.

Já a continuidade desse movimento, avalia, depende de uma combinação da cotação de commodities, dos desdobramentos das eleições e do desempenho das bolsas dos Estados Unidos.

“O mercado já precificou uma posição muito pessimista, de grande crise sem estar. Somos grandes exportadores de commodities, e tem peso forte no Ibovespa. Devemos viver algo semelhante a 2002, com chance de queda na proximidade da eleição”, afirma.

“A economia está melhor que o esperado, mais resiliente, e ajuda a atrair investimentos. Vinha acelerando desde 2021, mas as perspectivas despencaram. Mas quando o governo gasta mais e empurra o problema fiscal para 2023, ajudou a economia, então melhora a perspectiva”.

Fonte: CNN Brasil