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Há 23 minutos

Bucha

Crédito, Getty Images

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, pediu uma investigação independente sobre “as imagens de civis mortos em Bucha, na Ucrânia”.

Alerta: Esta reportagem contém imagens fortes que podem ser consideradas perturbadoras.

Depois que as tropas russas se retiraram da cidade nos arredores de Kiev, surgiram imagens de corpos nas ruas, que também foram vistos por equipes de meios de comunicação.

A Ucrânia acusou a Rússia de um “massacre deliberado” — mas Moscou disse que tudo foi “encenado” depois que suas forças militares se retiraram da área. E fez uma série de alegações infundadas sobre as imagens de Bucha.

Alegação: ‘Cadáveres falsos’

Após a retirada russa, imagens feitas de um carro que passava pela cidade mostraram corpos em ambos os lados da estrada.

A Embaixada da Rússia no Canadá tuitou o vídeo, com a legenda “vídeo encenado mostrando cadáveres falsos na cidade de Bucha, perto de Kiev”.

Mas imagens de satélite de Bucha em 19 de março — quase duas semanas antes das tropas russas se retirarem da área — mostram o que parecem ser corpos na beira da estrada.

Imagens de satélite mostram corpos em Bucha

Crédito, BBC/Maxar

As imagens, publicadas pela primeira vez pelo jornal americano The New York Times e verificadas pela BBC, mostram corpos nas exatas posições e na mesma rua que o vídeo que a Rússia alega ter sido encenado depois que suas tropas partiram.

Perfis de rede social pró-Rússia circularam uma versão em câmera lenta do vídeo, alegando que o braço de um dos corpos se moveu.

A imagem do vídeo está granulada, mas uma análise mais detalhada mostra que o que se alega ser um braço em movimento é, na verdade, uma marca no canto inferior direito do para-brisa do veículo.

A marca em questão aparenta ser uma gota de chuva ou uma partícula de sujeira, e há outras semelhantes visíveis no para-brisas do carro no início do vídeo.

Outra alegação russa se concentra em uma parte diferente da filmagem. O carro passa por outro corpo, que jaz ao lado de uma calçada com pedras vermelhas e amarelas e uma cerca marrom destruída.

À medida que o veículo avança, o corpo pode ser visto brevemente no retrovisor direito. Perfis pró-Rússia afirmam que o corpo “se senta”.

Mas uma versão mais lenta do vídeo mostra que o espelho retrovisor está distorcendo claramente o reflexo do corpo, assim como as casas ao fundo.

Reprodução do vídeo

Crédito, Ukraine Defence Ministry

O corpo em questão aparece no retrovisor do carro durante o vídeo

O mesmo efeito pode ser observado em vídeos de espelhos retrovisores semelhantes postados na internet.

A BBC comparou os dois corpos do vídeo (publicado em 2 de abril) com fotos de alta resolução fornecidas pela Getty Images e pela AFP em 3 de abril.

Reprodução do vídeo

Crédito, BBC/Getty

No vídeo, o primeiro corpo jaz de costas perto de um meio-fio branco e amarelo. A calçada à direita é parte asfaltada, parte grama. Um carro prateado pode ser visto na calçada com o porta-malas aberto na frente de uma cerca branca. O mesmo carro, meio-fio, calçada e cerca são visíveis na imagem da Getty/AFP.

Comparação de foto com imagem do vídeo

Crédito, BBC/Getty

O segundo corpo tem uma jaqueta preta e o que parece ser um torniquete ou curativo ensanguentado no braço direito. Está deitado de lado próximo a uma calçada vermelha e amarela, em frente a uma cerca marrom destruída. A jaqueta preta, o torniquete/curativo, a calçada e a cerca correspondem à foto do corpo publicada pela Getty/AFP.

Alegação: Corpos ‘não enrijecidos’

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia tuitou: “É particularmente preocupante que todos os corpos das pessoas cujas imagens foram publicadas pelo regime de Kiev não estejam enrijecidos após pelo menos quatro dias”.

De acordo com os militares ucranianos, os russos partiram na madrugada de 31 de março. A Rússia diz que eles saíram em 30 de março.

Nas horas seguintes à morte, os corpos passam por um processo chamado rigor mortis, em que os músculos se contraem e endurecem.

Pedimos a opinião de um patologista forense para saber se um corpo deveria ficar “enrijecido” após quatro dias. O especialista, que trabalhou em lugares como Kosovo e Ruanda em investigações de crimes de guerra, não quis ser identificado, mas disse à BBC que em quatro dias o rigor mortis “geralmente diminui”.

Corpo sendo levado em saco mortuário em Bucha

Crédito, Getty Images

O tuíte russo também alegou que os corpos “não têm manchas típicas de cadáveres”.

Não está claro o que isso significa, mas o patologista disse que a aparência de alguém que morreu por um ferimento de bala ou outro ato de violência varia muito dependendo da arma usada, da distância em que foi atingido e assim por diante.

Nem sempre há muito sangue visível, uma vez que pode se acumular embaixo dos corpos ou encharcar roupas pesadas, especialmente se a pessoa estiver preparada para o frio.

O tuíte pode estar se referindo ao fato de o sangue dentro do corpo se acumular após a morte, pois para de circular, o que pode levar a pele a ficar avermelhada ou roxa.

Mas se alguém estiver deitado, o local desse acúmulo de sangue e descoloração pode não ser visível apenas por uma imagem.

Alegação: ‘Nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta’

O Ministério da Defesa russo alegou que, enquanto Bucha estava sob controle russo, “nenhum morador local sofreu qualquer ação violenta”.

Esta alegação contradiz, no entanto, inúmeros testemunhos de moradores.

Um professor local disse à ONG Human Rights Watch em 4 de março que as forças russas prenderam cinco homens e executaram sumariamente um deles.

Moradores que falaram com o site investigativo russo The Insider pintaram uma imagem semelhante. “Foram dias horríveis. Quando nem seu quintal, sua casa ou até mesmo sua vida pertencem a você. Não há eletricidade, água, gás. É proibido sair de casa, se sair — você leva um tiro”, disse Kristina ao The Insider.

Moradores contaram à BBC que os russos arrombaram portas sistematicamente para saquear apartamentos e, enquanto os soldados roubavam objetos de valor e comida, os moradores eram forçados a se sentar no porão.

Reportagem: Jake Horton, Shayan Sardarizadeh, Rachel Schraer, Olga Robinson, Alistair Coleman e Daniele Palumbo.

Produção de vídeo: Sarah Glatte e Jacqueline Galvin.

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Fonte: BBC