• Marcia Carmo
  • De Buenos Aires para a BBC News Brasil

Há 1 hora

Gabriel Boric

Crédito, EPA/Alberto Valdes

Gabriel Boric, de 35 anos, disputa o segundo turno da eleição presidencial chilena com o candidato de direita José Antonio Kast

Boric (pronuncia-se “Borich”) é definido até por seus mais ferrenhos críticos como conciliador e aberto ao diálogo. Mas esses opositores ressaltam, porém, sua “pouca experiência” e a presença do Partido Comunista em sua aliança partidária. Seus aliados, por sua vez, observam que ele é “um animal político”, com “sensibilidade social”, que tem a cultura de trabalhar em equipe e a atitude de liderança.

Ao assistir a sua participação nos debates presidenciais, no primeiro turno, e nas entrevistas jornalísticas, seria possível acrescentar que o presidenciável não costuma se irritar ou sequer ficar ruborizado ou sinalizar algum tipo de tensão até diante das perguntas que poderiam complicar sua eleição.

Foi o que ocorreu, por exemplo, na noite de quarta-feira (8), quando um jornalista da TVN, de Santiago, apontou sua suposta mudança de discurso em relação aos imigrantes, já que passou a dizer que expulsaria os ilegais, ato que antes reprovava enfaticamente.

O Chile tem recebido forte presença de imigrantes venezuelanos. “Não serei como Donald Trump. Esse é um assunto humanitário. Mas temos que construir passagens para a imigração na fronteira e os que cheguem devem ter vistos emitidos em seus países de origem”, disse Boric, buscando tom de equilibrista.

Uma de suas frases emblemáticas é: “Sou partidário de que a imprensa tem que incomodar o poder.” As últimas declarações e gestos políticos do candidato, durante a campanha no segundo turno, apontam que ele pretende atrair outros setores do eleitorado, além da esquerda.

Seu desafio, na reta final da campanha pelo Palácio presidencial La Moneda, é demonstrar e convencer que também governará para o eleitorado de centro e de direita.

“Gabriel tem um perfil de candidatura ligada à juventude e representa a esperança. Mas nenhuma pessoa ganha uma eleição só com seu nicho e Gabriel sabe disso. Por isso, ele aborda também assuntos como a segurança pública e a imigração”, disse a professora de ciências políticas da Universidade Diego Portales Carolina Garrido Silva, da Rede de Politólogas da América Latina.

Jose Antonio Kast

Crédito, REUTERS/Rodrigo Garrido

José Antonio Kast obteve 27,9% dos votos no primeiro turno e Gabriel Boric, 25,8%. Pesquisas apontaram que Boric venceria o opositor da direita, mas por margem apertada

Imigração e segurança

Quando perguntado qual foi seu erro na campanha no primeiro turno, Boric disse que foi não ter destacado a questão da segurança em seu programa de governo. A segurança foi uma das principais bandeiras de seu adversário político.

Mas apesar de ressaltar estes temas – imigração e segurança, além de maior foco na economia e na geração de emprego -, Boric disse que, caso eleito, o papel do governo e do Estado é fazer com que “as leis sejam respeitadas”. “Sim, não podemos apoiar o vandalismo”, disse nesta semana, em outra mensagem para os que não o apoiaram.

Mas ele deixou claro que não pretende seguir a linha defendida pelo governo atual do presidente Sebastián Piñera e por Kast com, por exemplo, a forte presença e repressão por parte de policiais militares no sul do país, onde existe conflito por terras envolvendo mapuches.

Em entrevista à BBC News Brasil, o ex-candidato Marcos Enríquez Ominami, que recebeu quase 8% da votação e apoia a eleição de Boric no segundo turno, disse que o presidenciável é “pragmático”, “homem de diálogo, moderado e um animal político”.

Mas, observa, que ele tem o desafio de “mobilizar os chilenos pela democracia”, já que a participação do eleitorado nas eleições continua sendo baixa – no primeiro turno, somente cerca de 47% votaram. Ou seja, mais de 40% marcaram abstenção.

Boric e Ominami se reuniram no dia seguinte à votação, quando o presidenciável iniciou a busca de respaldo para além da sua base, na tentativa de vencer Kast no segundo turno.

Com o tabuleiro político chileno em constante movimento antes da votação, o senador Manuel José Ossandon, da governista Renovação Nacional (RN), disse que votará no candidato da direita porque é critico do PC, que integra a coalizão de Boric.

Na sua avaliação, o PC é mais à esquerda do que aquele que fez parte do governo da ex-presidente Michelle Bachelet (2006-2010). “Entre eu Kast nos separa um lago e entre eu e Boric nos separa um oceano”, disse, falando de Santiago.

Ossandon agregou, porém, que deveria ser “justo” ao reconhecer que o opositor “é moderado” e reprova os governos “mais radicais” da América Latina, como a Venezuela e a Nicarágua, apesar de o mesmo não ocorrer, diz ele, em setores da sua coalizão.

Manifestação de apoio a Boric

Crédito, Boric

Quando perguntado qual foi seu erro na campanha no primeiro turno, Boric disse que foi não ter destacado a questão da segurança em seu programa de governo

Líder estudantil

Deputado em seu segundo mandato, o candidato Boric, com antepassados da Croácia e da Catalunha, foi presidente da Federação de Estudantes da Universidade do Chile e um dos rostos simbólicos das manifestações dos jovens chilenos em defesa da educação e por uma nova constituição. Apesar de ter recebido reformas em tempos democráticos, a Carta Magna em vigor data de 1980, da época do ditador Augusto Pinochet (1915-2006).

Diante das pressões daquele tsunami de manifestações, em 2019, e após a realização de um plebiscito, que contou com respaldo de Boric e rejeição de Kast, foi instaurada uma Assembleia Constituinte que discute a nova constituição. O perfil da Assembleia, presidida por uma líder indígena e a quantidade igual de cadeiras para homens e mulheres, é visto como mais associado ao presidenciável de esquerda do que ao de direita na corrida pelo Palácio presidencial La Moneda.

Sua escolha para disputar a Presidência, numa convenção que parecia ter o então pré-candidato do Partido Comunista, Daniel Jadue, como preferido, surpreendeu setores da política chilena.

A trajetória de Boric – que apoiou a lei aprovada, nesta semana, do casamento entre pessoas do mesmo sexo – o coloca, quase que de forma constante, diante desse desafio de mostrar que, caso eleito, governará não só para seus eleitores de esquerda, mas também para os demais chilenos no país de cerca de 19 milhões de habitantes.

“Boric foi fundamental para impulsar a nova constituinte. Além de conversar com a própria base, ele conversou com a direita. Isso mostra que ele tem diálogo com vários setores e capacidade de liderança”, disse Carolina Garrido Silva, que votará no candidato.

Feminista

Após o resultado do primeiro turno, ele falou aos chilenos rodeado de mulheres, num claro sinal de seu respaldo aos movimentos feministas e a maior presença feminina nas decisões políticas e no âmbito do trabalho.

Boric recebeu 25,8% dos votos e Kast, 27,9%. Pesquisas recentes apontaram que ele venceria o opositor da direita, mas outras indicaram empate, possível contagem voto a voto e resultado incerto. Numa atitude que foi vista como uma “aproximação ao centro” e “jogo de cintura política”, ele exibiu satisfação pública com o apoio de políticos mais tradicionais no país.

Foi o caso do ex-presidente de centro-esquerda Ricardo Lagos, que ganhou forte notoriedade ao dizer “não”, erguendo o dedo indicador, à continuidade de Pinochet, no plebiscito de 1988, e governou o Chile entre 2000 e 2006. Na sua gestão, Michelle Bachelet, atualmente nas Nações Unidas, foi ministra da Defesa e depois sua sucessora na Presidência.

Boric disse que, apesar de diferenças com Lagos, o respeita, e não só por aquele “não” que o emociona, afirmou, cada vez que lembra.

A aproximação foi vista como mais um gesto da sua guinada ao centro, apesar do desgaste da coalizão Concertación, da qual Lagos e Bachelet fizeram parte e que confirmou a fraqueza do centro nesta eleição presidencial, com dois candidatos extremamente opostos – Boric e Kast.

Os setores mais à esquerda viram com ressalvas essa simpatia por políticos históricos com ideologia mais de centro. Além de Lagos, Boric passou a contar com o apoio da candidata de centro Yasna Provoste, da Democracia Cristiana (DC), que fez parte da Concertación.

A interpretação é que os protestos de 2019 tinham marcado o caminho de uma “ruptura” com a política tradicional e os governos de centro-esquerda, mas que a reta final para a chegada à Presidência evidenciou a necessidade de Boric de ampliar o espectro político.

Gabriel Boric

Crédito, EPA/Alberto Valdes

Deputado foi um dos rostos simbólicos das manifestações dos jovens chilenos em defesa da educação e por uma nova constituição no Chile

Gabriela Mistral

Aquelas manifestações, que levaram à convocação do plebiscito para a realização da Assembleia Constituinte, ocorreram na emblemática Praça Itália, onde está a imagem do militar chileno Manuel Baquedano, protagonista das principais guerras em que o Chile esteve envolvido no século 19.

Criticá-lo era algo quase impensável antes das manifestações de 2019, quando sua estátua acabou sendo retirada da praça.

Na entrevista na TVN, ao ser questionado sobre quem deveria estar na praça, Boric disse que sabia da importância do militar para a história do país, mas que ali poderia estar a escritora Gabriela Mistral – poetisa e Prêmio Nobel de Literatura.

E outra vez lançou mão de seu perfil conciliador. “Mas essa é uma opinião pessoal minha e tudo pode ser dialogado.”

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Fonte: BBC