Cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) identificaram, pela primeira vez na Antártica, a presença do fungo Histoplasma capsulatum, que causa a histoplasmose, uma doença que pode acometer os pulmões e levar à morte.

Os achados foram publicados na revista Emerging Infectious Diseases (EID journal), dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, em um dos primeiros artigos científicas do projeto Fioantar, da Fiocruz no continente.

“Esta descoberta destaca a necessidade de vigilância sobre agentes emergentes de micoses sistêmicas e sua transmissão entre regiões, animais e humanos na Antártica”, diz o artigo.

Embora seja uma doença cosmopolita de impacto global, a histoplasmose tem maior prevalência nas Américas, sendo pouco observada em áreas de clima frio. De acordo com os especialistas, a presença de Histoplasma sp. no continente antártico levanta questões como, por exemplo, quando teria chegado ao continente e se sua detecção estaria relacionada às mudanças climáticas.

“As possibilidades são muitas. Ele pode ter sido levado por aves ou outros animais recentemente. Ou pode ser que já estivesse lá desde a separação dos continentes, e se adaptou às diversas mudanças climáticas sofridas pelo continente. A Antártica antes era uma região tropical. O continente esfriou em passado geológico recente”, afirma Luciana Trilles, pesquisadora do Fioantar e do Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), autora correspondente do artigo, em comunicado.

Primeiro autor do artigo e pesquisador do Fioantar e do Laboratório de Micologia do INI/Fiocruz, Lucas Machado Moreira não descarta o papel do aquecimento global na descoberta.

“A presença deste fungo na Antártica pode datar de milhares de anos, contudo o impacto das alterações climáticas colabora tanto para o aumento das áreas sem cobertura de gelo, expondo solos até então congelados, como também influenciam o deslocamento de massas de ar, nível de precipitação de neve sazonal e a migração dos animais, fatos que colaboram para a dispersão de microrganismos pelo mundo”, afirma.

América Latina lidera número de casos

Com evidências moleculares detectadas no solo e nas fezes de pinguins na Península Potter, localizada no arquipélago das Shetland do Sul, na Península Antártica, o Histoplasma capsulatum teve o seu DNA sequenciado nos laboratórios da Fiocruz, o que revelou indícios da identificação de linhagens semelhantes às que existem na América Latina, região com maior número de casos de histoplasmose.

De acordo com a Fiocruz, o Brasil é um dos países afetados, considerado endêmico para a doença, com relevante incidência de casos em todas as regiões. Assim como na Antártica, o agente causador da doença, que acomete humanos e animais, pode ser encontrado no solo e em ambientes ricos em fezes de aves.

O contágio pela histoplasmose acontece ao inalar pequenas estruturas que se desprendem do fungo, que podem atingir os alvéolos nos pulmões e causar pneumonia. A infecção pode ficar restrita aos pulmões ou entrar na corrente sanguínea e afetar outros órgãos. De acordo com a pesquisadora da Fiocruz, dependendo da região ou do grupo de pacientes, a letalidade pode ultrapassar 40%.

As amostras utilizadas no estudo foram coletadas pelos cientistas no verão de 2020 na Península Potter, uma Área de Proteção Especial Antártica (Aspa, na sigla em inglês), na Ilha Rei George. No local, o fungo encontrou um ambiente ideal para proliferação, rico em nitrogênio devido a presença de fezes das aves.

“Considerando a capacidade da espécie em causar epidemias com risco de vida e a intensificação da presença humana no continente, identificar e monitorar fungos em vários habitats e animais antárticos torna-se uma estratégia fundamental para o monitoramento de micoses sistêmicas emergentes e o fluxo desses agentes entre regiões, animais e humanos”, diz o artigo.

Amostras de DNA de diversos substratos antárticos foram extraídas e submetidas a um método de diagnóstico molecular de alta sensibilidade e especificidade. “Nossa ideia agora e monitorar a presença desse fungo e ampliar para outras áreas, ilhas e regiões antárticas. E buscar outros agentes que possam causar doenças”, explica Luciana.

Em um segundo momento, os pesquisadores do Fioantar devem tentar isolar o próprio fungo.

Fluxo antártico

A Antártica recebe animais migratórios e um número considerável de turistas anualmente. Somados ao deslocamento de ar e a neve sazonal, esse fluxo colabor para a dispersão de fungos e outros microrganismos. Fungos, bactérias e vírus podem ser levados para o continente gelado pelo homem e por animais. O mesmo acontece no caminho inverso para América do Sul e outros continentes.

“Essa descoberta reforça a importância da nossa presença na Antártica. A ideia do projeto desde o início era fazer a vigilância de agentes etiológicos no continente, conseguir identificar organismos patogênicos novos ou já conhecidos e monitorar a dispersão desses patógenos pelo mundo”, acrescenta Lucas.

“No que diz respeito às doenças fúngicas, a ideia do projeto é investigar todos os agentes etiológicos de micose sistêmica. Porque são agentes causadores de doenças de grande impacto na saúde pública, principalmente no Brasil. É objetivo também do nosso projeto entender como a Antártica influencia a saúde pública do Brasil. Encontrar esse fungo que existe aqui e lá é um forte indício de que estudos de monitoramento precisam ser realizados de forma constante”, completa.

Além de Lucas e Luciana, participaram do estudo Márcia Chame, Martha Lima Brandão, Adriana Marcos Vivoni, Juana Portugal e Bodo Wanke, do Fioantar, além de Wieland Meyer, da Sydney University, Austrália. Especializado em doenças infecciosas e parasitárias, com foco principal nas micoses sistêmicas, Bodo Wanke faleceu em 22 de julho de 2021.

O Fioantar integra o Programa Antártico Brasileiro, conduzido pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (Cirm), da Marinha do Brasil. O projeto foi aprovado em edital do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), em dezembro de 2018, com duração prevista de quatro anos, de 2019 a 2023.

(Com informações da Agência Fiocruz de Notícias)

Fonte: CNN Brasil