Quase três anos após a “onda social” que atingiu as ruas do Chile, levando a realização de um plebiscito para alterar a constituição e, finalmente, a uma mudança de governo, o país tem o projeto final de sua nova Constituição, que será votada em 4 de setembro.

O texto busca substituir a Constituição Política do Chile, promulgada em 1980, na época da ditadura do general Augusto Pinochet, e foi elaborado pela Convenção Constitucional, surgida a partir do plebiscito de outubro de 2020 — quando o “sim” à reforma constitucional conquistou o apoio de 78%.

A convocação do plebiscito foi uma consequência da onda de protestos violentos no país e da repressão dos atos.

Os chilenos serão chamados a votar a favor ou contra a nova constituinte no domingo, 4 de setembro. O projeto final, que nesta segunda-feira (4) foi entregue ao presidente Gabriel Boric pela Convenção Constitucional, já está disponível para a população.

“Neste 4 de setembro, vocês, queridos compatriotas, serão os protagonistas da decisão histórica sobre nossa Constituição Política”, disse Boric em sua conta no Twitter, pedindo, em seguida, aos chilenos que leiam o projeto antes da votação. “Que estes dois meses sejam uma escola cívica para todos”, acrescentou.

“A democracia não é fácil e, para além das legítimas diferenças que possam existir no conteúdo do texto, há algo de que todos temos de nos orgulhar: no momento da mais profunda crise institucional, política e social que o nosso país viveu durante décadas, chilenos e chilenos optaram por mais democracia”, disse Boric nesta segunda em mensagem televisionada.

Quais são as características dessa nova Constituição e como se diferencia da atual?

Mudanças e continuidades

“Neste rascunho da nova constituição, há mudanças e atualizações, e também muitos elementos de continuidade que mantém a tradição republicana e democrática que nós tanto valorizamos”, disse Boric.

A Convenção Constitucional levou 12 meses para preparar o projeto final, que conta com 388 artigos organizados em 11 capítulos.

Em seu primeiro artigo, que discorre sobre os princípios e disposições gerais, estabelece-se que “o Chile é um estado social e democrático de direito. É plurinacional, intercultural, regional e ecológico”.

Acrescenta ainda que “se constitui como uma república solidária”. “Sua democracia é inclusiva e paritária. Reconhece a dignidade, a liberdade, a igualdade substantiva dos seres humanos e sua relação indissolúvel com a natureza como valores intrínsecos e inalienáveis”.

Os 10 pilares do projeto e suas diferenças com a atual Constituição

De acordo com o site oficial da Convenção Constitucional, o projeto é baseado em 10 pilares que reúnem “elementos fundamentais e normas mais relevantes”.

Estas são as suas principais disposições e as diferenças com o texto atual:

  • Democracia

A nova Constituição se baseia em uma democracia onde o poder “reside no povo, pelo povo e para o povo”, com atenção à transparência, igualdade, liberdade de pensamento e expressão.

Além disso, o projeto contempla, diferentemente do texto atual, mecanismos de democracia participativa, incluindo a iniciativa popular de lei e a participação de entidades territoriais e de povos e nações indígenas.

  • Inclusão 

Entende-se que o Chile é um Estado plurinacional e intercultural, ao mesmo tempo único e indivisível, baseado na igualdade e na não discriminação. Pela primeira vez, o texto constitucional consagra direitos para, entre outros, mulheres, crianças e adolescentes, pessoas de povos e nações indígenas, pessoas com deficiência, pessoas de diversidade e dissidência sexo genéricas.

  • Tradição institucional

Baseado na atual divisão de poderes entre o Executivo, nas mãos do presidente, e o Congresso dos Deputados, o novo projeto marca o fim do Senado, substituído pela Câmara das Regiões, onde cada região terá o mesmo número de representantes.

O novo Estado também reconhece os ordenamentos jurídicos dos povos indígenas, que coexistirão com o Sistema Nacional de Justiça, desmilitariza a polícia e define o papel das Forças Armadas exclusivamente diante de agressões externas.

  • Garantias de direitos

A nova Constituição assegura direitos essenciais como saúde, educação, reconhecimento do trabalho doméstico e de cuidados, direito à moradia, alimentação adequada, direito humano à água e ao saneamento básico e o direito de viver em local seguro e livre de violência. Ainda inclui a paridade e perspectiva de gênero.

De acordo com o texto, a convivência democrática baseia-se no respeito às liberdades individuais e coletivas, e, assim, reconhece, entre outras coisas, a liberdade de religião, pensamento, expressão, ensino e a liberdade de empreender e desenvolver atividades econômicas.

  • Igualdade de gênero

Pela primeira vez, o texto protege o direito a uma vida livre de violência de gênero, os direitos sexuais e reprodutivos e o direito à identidade, e destaca a perspectiva de gênero na justiça, os princípios de paridade e representação política partidária e inclusiva.

  • Proteção da natureza e do meio ambiente

Também pela primeira vez, a redação final confirma os direitos da natureza e o dever especial de custódia do Estado sobre os bens comuns naturais do país.

Texto ainda contempla um catálogo de direitos humanos ambientais, como o direito ao meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado.

Estão incluídos ainda regulamentos que garantem proteção a ecossistemas como geleiras e pântanos. O texto reconhece, dessa forma, a existência de uma crise climática e ecológica global.

A nova Constituição considera o Chile como um Estado Regional, cujas políticas públicas são “pertinentes às necessidades territoriais, adaptadas às diversas realidades locais”, reconhecendo a autonomia dos governos regionais, municípios e demais entidades regionais.

Também se estabelece pela primeira vez a formação, por lei, de autonomias territoriais indígenas, onde os povos e nações indígenas exercerão direitos de autonomia, de acordo com o caráter único e indivisível do país.

  • Projeção futura

Reconhecendo os desafios apresentados pelos avanços da ciência e da tecnologia, incorporam-se o direito à participação política digital, à informação, ao conhecimento, à educação e à conectividade digital, e à proteção de dados pessoais.

São ainda estabelecidos princípios bioéticos, subordinando o desenvolvimento científico e tecnológico à solidariedade, cooperação, responsabilidade e respeito à dignidade humana, à senciência dos animais e aos direitos da natureza.

  • Economia responsável

Em um dos pontos mais debatidos durante a Convenção Constitucional, o projeto consagra os princípios de responsabilidade fiscal, equidade territorial e desenvolvimento em harmonia com a natureza.

Estabelece-se também um papel mais ativo do Estado, além de “regular, fiscalizar, promover e desenvolver as atividades econômicas”.

Assim, valida a autonomia do Banco Central e o princípio da sustentabilidade fiscal das finanças, ao mesmo tempo que conferem ao Estado poderes para prevenir e punir abusos de mercado e proteger os direitos dos consumidores.

No que se refere à mineração, fica estabelecido que o Estado terá o “domínio absoluto, exclusivo, inalienável e imprescritível das minas, independentemente da titularidade do terreno em que se encontrem”, e que submeterá a exploração e o aproveitamento a uma legislação específica que considere seu impacto ambiental.

Com informações de Jorge Engels

Este conteúdo foi criado originalmente em espanhol.

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Fonte: CNN Brasil