• Lucy Williamson
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Há 1 hora

O presidente francês Emmanuel Macron se encontra com moradores de Saint-Denis em 21 de abril

Crédito, Getty Images

Emmanuel Macron sempre acreditou ter a resposta para os problemas da França

No dia seguinte à vitória no primeiro turno desta eleição presidencial na França, Emmanuel Macron se viu em uma briga aos berros com uma assistente de dentista. Neste domingo, ele disputa o segundo turno contra Marine Le Pen, da direita radical.

Para ser justo, apenas um deles estava realmente gritando e não era Macron, mas o episódio, na antiga cidade mineira de Denain, revela um traço que levou o presidente francês ao poder há cinco anos – a mesma característica que colocou muitos eleitores contra ele agora.

Elodie, a assistente de dentista, ficou furiosa com a linguagem “ofensiva ” do presidente ao descrever aqueles que não se vacinaram contra a covid-19.

Macron disse que ela havia entendido suas palavras da maneira errada. Elodie gritou sobre impostos e aumento de preços. Ele disse que baixou os impostos e que ela não estava sendo justa.

“Você baixou os impostos?” ela respondeu, incrédula. “Você já foi ao posto de gasolina? Quanto você ganha por mês?”

“Eu não controlo o mercado global”, respondeu Macron.

“Nós simplesmente não vamos concordar”, Elodie concluiu.

“Mas é importante que eu explique”, disse Macron.

O presidente francês sempre acreditou ter a resposta para os problemas do país. E que, se ele puder explicar seu pensamento para os outros, eles também verão isso.

Essa autoconfiança levou a muitos discursos longos, uma abordagem dura aos manifestantes – e uma percepção entre algumas pessoas de que Macron simplesmente não ouve.

Mesmo antes de ser eleito, ele irradiava uma espécie de evangelismo obstinado sobre seu projeto para a França. De que outra forma um homem de 39 anos em sua primeira campanha eleitoral poderia se tornar presidente?

Alain Minc, um influente conselheiro político e mentor inicial de Macron, relembra a história do encontro com o futuro líder no início dos anos 2000.

“Vou te contar as primeiras palavras que troquei com ele. Ele veio me visitar, quando era um jovem inspetor de finanças, e eu [perguntei a ele]: ‘O que você vai ser daqui a 20 anos?’. Macron respondeu: ‘Vou ser presidente’. Fiquei atordoado.”

Quinze anos depois, como ministro da Economia, Emmanuel Macron lançou seu movimento político, o En Marche.

Sem o apoio de nenhum partido ou estrutura estabelecida, ele foi inicialmente descartado por muitas pessoas como muito jovem e muito inexperiente.

Um colega ministro do governo socialista da França zombou do novo movimento de Macron – cujos membros foram apelidados de “os Marchadores” – postando um vídeo do lançamento nas mídias sociais, com uma música intitulada I Walk Alone (eu ando só, em inglês).

Não foi assim que aconteceu.

Emmanuel Macron faz o sinal de "V" da vitória cercado por seus apoiadores depois de fazer um discurso durante uma reunião de campanha em 17 de abril de 2017

Crédito, AFP

Macron foi inicialmente considerado inexperiente em 2017

Macron teve bastante sorte em sua primeira campanha eleitoral, em 2017. Eleito, ele concorre ao cargo novamente e é favorito à reeleição conta Marine Le Pen, segundo pesquisas eleitorais recentes.

Seus rivais dos principais partidos socialistas e republicanos deixaram muito terreno político no centro da política – o espaço que ele esperava ocupar. E o favorito, François Fillon, se envolveu em um escândalo financeiro durante a campanha.

Mas a visão de Macron para a França era clara, era nova, e foi entregue com energia e paixão.

Em seus comícios de campanha, o futuro líder parecia se entregar completamente ao momento. Rouco de emoção, quase messiânico, ele gritava no auditório, a cabeça jogada para trás, os braços abertos, dizendo aos fãs que os amava, precisava deles.

A impressão era de que um novo vento soprava na política francesa, trazendo uma promessa de inclusão e democracia. Todos dirigidos por um homem.

Antes de formular um programa político, o En Marche começou realizando 25 mil entrevistas com eleitores de todo o país, indo de porta em porta e fazendo duas perguntas: o que funciona na França e o que não funciona?

Mas o biógrafo Marc Endeweld diz que, apesar da imagem de uma democracia nova e mais horizontal, Macron sempre foi o único com o poder.

“Você tem que perceber que, no final das contas, o En Marche é algo muito vertical”, ele me disse na época. “Não há realmente um gerente de campanha. Emmanuel Macron compartimentalizou seus relacionamentos e tem uma concepção extremamente pessoal de poder.”

Emmanuel Macron teve duas vantagens na primeira vez que se candidatou ao cargo com as quais não pode mais contar desta vez.

Naquela época, ele era um novo rosto em uma cena política cansada – jovem e relativamente desconhecido. E sua visão e promessas também não foram testadas contra as duras realidades políticas da França.

Para ser justo, ele foi acusado desde o início de ser vago em suas posições, de ser tudo para todos, de dizer “tudo e nada”.

“Quando as coisas estão vagas”, observou Martine Aubry, membro do Partido Socialista na época, “geralmente há algo escondido lá que vai mordê-lo.”

A missão de Macron, de romper com os antigos partidos do governo e fazer um novo partido centrista, significava soterrar a divisão tradicional na política francesa e atrair eleitores de ambos os lados.

Ele tinha opiniões liberais sobre questões sociais – direitos dos homossexuais e igualdade de gênero, por exemplo – que atraíram o apoio da esquerda, mas ele também era um liberal econômico, que acreditava em afrouxar as restrições aos negócios para fazer a economia funcionar, e isso atraiu muitos eleitores da direita.

Esse tipo de posição “duplo-liberal” era nova para a França.

Ele venceu as eleições de 2017, como planejava, com o apoio de eleitores centristas de ambos os lados, unidos por um presidente liberal e pró-europeu.

Mas depois de cinco anos no poder, seu apoio migrou para a direita e ele enfrentou uma profunda decepção dos eleitores da esquerda.

Um homem segura um cartaz com os dizeres 'Macron rei dos ricos' em Paris em 24 de janeiro de 2020 durante uma manifestação contra a reforma previdenciária do governo

Crédito, AFP

Macron irritou alguns que votaram nele por ser muito ‘pró-rico’

Macron criou empregos, gastou bilhões para apoiar trabalhadores e empresas na pandemia e subsidiou os preços do gás e da gasolina na França nos últimos seis meses.

Mas sua crença central é que as reformas econômicas, para atenuar o peso negócios e exigir mais dos trabalhadores, é o caminho para aliviar a pobreza e financiar o tipo de políticas sociais que os eleitores de esquerda prezam.

Em vez de soterrar velhas divisões políticas e de classe, essa abordagem abriu-as novamente.

E algumas decisões importantes, tomadas logo depois que ele se tornou presidente, viraram emblemas de sua suposta “traição” à classe trabalhadora da França – o que lhe rendeu o apelido de “presidente dos ricos”.

Sua decisão de reduzir o imposto sobre a riqueza para os cidadãos mais abastados da França ainda enfurece muitos eleitores de esquerda.

Mais do que uma política fiscal, dizem eles, parecia apontar onde estavam suas verdadeiras prioridades e mostrava desprezo por seu voto.

São esses eleitores desiludidos que perseguiu agora em lugares como Denain, antes do segundo turno com a líder de direita radical Marine Le Pen.

E a discussão que ele teve com Elodie, a assistente de dentista, é a mesma discussão que ele tem com seus oponentes desde que chegou ao poder – dos sindicatos aos manifestantes dos coletes amarelos: a França tem que ganhar dinheiro para gastar.

A acusação de ser um presidente dos ricos não combina com a história que Emmanuel Macron gosta de contar sobre si mesmo.

Cinco anos atrás, durante sua primeira campanha presidencial, um jornalista mencionou o passado de Macron como banqueiro de investimentos, questionando se ele poderia atrair votos da classe trabalhadora.

O futuro líder da França fez um discurso impaciente contra a ideia de que fazia parte de uma elite privilegiada.

“Nasci numa cidade provinciana, numa família que nada tinha a ver com o mundo dos jornalistas, dos políticos ou dos banqueiros”, reclamou, nitidamente contrariado.

“É com muito orgulho que digo que sou o candidato das classes trabalhadora e média.”

Ele destaca em sua autobiografia que seus avós eram professor, ferroviário, assistente social e engenheiro rodoviário.

Sua avó materna, Manette – a professora – foi especialmente importante para ele, apresentando-o à literatura e à cultura e ensinando-o a pensar.

Mas ela também lhe deu outra coisa que ele poderia usar em sua busca pelo poder. A própria mãe de Manette era analfabeta, e a história de seu descendente chegando ao Palácio do Eliseu era uma história romântica – muito mais romântica do que a história do filho de um neurologista que foi para uma escola particular e concorreu a um cargo depois de um período em banco de investimentos.

A verdade é que a história da família de Emmanuel Macron é uma história de superação de divisões sociais, assim como ele tentaria fazer mais tarde na política.

O presidente francês Emmanuel Macron, ao lado de sua esposa Brigitte Macron, se encontra com os membros da comunidade judaica de Toulouse no final de uma cerimônia de homenagem

Crédito, Reuters

O casamento de Macron com sua ex-professora de teatro, Brigitte, não foi divulgado até que ele disputou a eleição

E a crença inabalável em sua própria visão e análise que ele trouxe para a Presidência também está à vista em sua vida pessoal.

A esposa de Macron, Brigitte, já foi sua professora de teatro – ela é 24 anos mais velha e, na época, era casada, com três filhos.

Quando ele deixou a escola dela aos 16 anos, ele prometeu se casar com ela.

“Ligávamos um para o outro o tempo todo e passávamos horas no telefone”, disse ela em um documentário francês.

“Pouco a pouco, ele derrotou toda a minha resistência, de forma incrível, com paciência.”

Eles se casaram em 2007.

É uma história de amor incomum, e uma das biógrafas de Macron, Anne Fulda, diz que foi uma história que o casal optou por não divulgar até que ele concorresse à Presidência.

Em 2017, Fulda me disse que Macron queria dar a ideia de que “se ele conseguiu seduzir uma mulher 24 anos mais velha em uma pequena cidade, apesar dos preconceitos, da aparência das pessoas, apesar da zombaria, ele pode conquistar a França da mesma forma”.

Mas havia dúvidas se ele poderia fazer isso de novo. Duas coisas com as quais ele contava da última vez se foram: ele não era mais um rosto novo na política e seu programa não era mais uma visão vaga e não testada para a França.

Desta vez a corrida no segundo turno certamente vai ser mais apertada.

Há cinco anos, o consultor político Alain Minc disse que uma Presidência bem-sucedida de Macron significaria “mais Europa, menos desemprego e menos radical à direita”.

“Se eu seguir os mesmos critérios”, ele me disse esta semana, “ele teve sucesso no ‘mais Europa’ e no ‘menos desemprego’, mas foi um fracasso no ‘menos direita radical’.”

A ironia é que foi Emmanuel Macron quem ajudou a normalizar o partido de Marine Le Pen e trazê-la para o mainstream político quando, cinco anos atrás, ele reformulou a política como uma batalha individual entre sua visão pró-negócios, pró-europeia, e o nacionalismo e protecionismo dela.

Essa batalha continuou a ser travada. O curinga desta vez foi o número crescente de eleitores que se sentem cada vez mais indecisos sobre quem seria pior para a França: a líder da direita radical que fala em mudança ou o líder centrista que não ouve.

Mesmo antes de seu protegido ser eleito pela primeira vez, Alain Minc previu que Macron seria “muito autoritário, muito político, muito presidencial”.

Cinco anos depois, até mesmo Minc diz que o estilo do presidente é “napoleônico demais”.

Emmanuel Macron passou as últimas duas semanas buscando seus detratores, recuando nos planos de Reforma Previdenciária e prometendo colocar o meio ambiente no centro de seu programa.

“Ser reeleito, após cinco anos de gestão do país, é um tremendo sucesso”, diz Minc. “Espero que esse tremendo sucesso não aumente sua confiança em si mesmo. Espero que ele mude, mas duvido.”

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Fonte: BBC