• Julia Braun
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Há 26 minutos

Alunas em sala de aula

Crédito, TANIA REGO – AG BRASIL

Cerca de 2 milhões de crianças e adolescentes entre 11 e 19 anos estão fora da escola

Nadi Pereira Mendes é coordenadora pedagógica da Escola Cidadã Integral Mestre Júlio Sarmento em Sousa, no interior da Paraíba, desde 2017. Boa parte do seu trabalho nos últimos anos foi dedicado ao combate à evasão escolar.

Ela afirma se sentir muito orgulhosa todas as vezes que reencontra um ex-aluno que se formou no Ensino Médio na instituição após receber apoio e ser incentivado a não desistir da escola.

“Os alunos que encontram dificuldades para permanecer na escola precisam de ajuda. E essa ajuda pode vir por meio de uma palavra de incentivo e da elevação da auto-estima, mas às vezes o que faz a diferença são as condições materiais e sociais mesmo”, afirmou a coordenadora à BBC News Brasil.

A escola de Nadi é considerada modelo no combate ao abandono da educação básica e às faltas excessivas de alunos e alunas.

Há menos de sete anos, a escola terminava alguns anos letivos com até 20% de evasão, segundo a coordenadora. Atualmente, a taxa está em menos de 2% e há fila de espera para matrículas.

Para reverter a situação, a coordenadora e os demais funcionários da escola de Ensino Médio seguem, desde 2017, um modelo que combina escuta atenta e individual aos estudantes, diálogo com as famílias e busca por parcerias com outras redes públicas, como de saúde e serviço social, para ajudar a acabar com os obstáculos que mantinham os alunos longe do colégio.

“Fazemos um controle próximo das presenças e quando notamos que um aluno está muito ausente buscamos a família por telefone. Se não conseguimos contato assim realizamos a busca ativa nas casas dos estudantes”, diz Nadi.

“Quando as famílias e os próprios alunos passaram a acreditar mais no seu potencial e perceberam que podiam contar com a escola para ajudar a resolver alguns de seus problemas em casa, houve uma transformação.”

Durante a pandemia de covid-19, a escola forneceu tablets para os alunos que não tinham acesso a computadores ou celulares assistirem às aulas online. “Garantimos que aqueles que não tinham acesso à internet recebessem todas as atividades impressas”, diz.

“E não podemos ver os alunos como apenas números. Mesmo depois que ele retorna, temos que garantir uma educação de qualidade e dar atenção para garantir que ele fique.”

Mas o retrato da educação pública no Brasil como um todo é de crise. Um estudo inédito, realizado pelo Ipec para o Unicef, revela que mais de uma em cada dez meninas e meninos de 11 a 19 anos (11%) não estão frequentando a escola no país.

A porcentagem é equivalente a cerca de 2 milhões de crianças e adolescentes da rede pública de ensino nesta faixa etária.

Essa foi a primeira vez que Unicef e Ipec se juntaram para fazer a pesquisa e, portanto, não há números de outros anos para comparação. Dados da Pnad Educação de 2019, porém, indicam que naquele ano quase 690 mil crianças e adolescentes entre 11 e 17 anos estavam fora da escola.

“O país está diante de uma crise urgente na educação. Há, pelo menos, 2 milhões de meninas e meninos fora da escola, somente na faixa etária de 11 e 19 anos. Se incluirmos as crianças de 4 a 10 anos, o número certamente é ainda maior. E a eles se somam outros milhões que estão na escola, sem aprender, em risco de evadir. É urgente investir na inclusão escolar e na recuperação da aprendizagem”, afirma Mônica Dias Pinto, chefe de Educação do Unicef no Brasil.

Aluna preenche quadro de frequência na Escola Cidadã Integral Mestre Júlio Sarmento

Crédito, Arquivo pessoal

Escola Cidadã Integral Mestre Júlio Sarmento usa quadro de frequência preenchido pelos próprios alunos para combater faltas

Desigualdades e obstáculos

Realizada em agosto deste ano, ouvindo crianças e adolescentes de todas as regiões do país, a pesquisa divulgada pelo Unicef nesta quinta-feira (15/9) mostra que a exclusão escolar afeta principalmente os mais vulneráveis. Na classe AB, 4% dos entrevistados não estão frequentando a escola e, na classe DE, o percentual chega a 17% – ou seja, quatro vezes maior.

Entre quem não está frequentando a escola, metade (48%) afirma que deixou de estudar “porque tinha de trabalhar fora”.

Dificuldades de aprendizagem aparecem em segundo lugar, com 30% afirmando que saiu “por não conseguir acompanhar as explicações ou atividades”. Em seguida, 29% dizem que desistiram pois “a escola não tinha retomado atividades presenciais” e 28% afirmam que “tinham que cuidar de familiares”.

Aparecem na lista, também, temas como falta de transporte (18%), gravidez (14%), desafios por ter alguma deficiência (9%), racismo (6%), entre outros.

Mesmo entre os estudantes que estão na escola atualmente, a evasão é um risco real. Segundo a pesquisa, nos últimos três meses, 21% de quem está na escola pensou em desistir dela. Entre os principais motivos está o fato de não conseguir acompanhar as explicações ou atividades passadas pelos professores — item citado por 50% dos que pensaram em desistir.

Mônica Dias Pinto chama atenção ainda para a desigualdade que está refletida em alguns dos dados coletados pela pesquisa.

“Observamos que normalmente as taxas de abandono, evasão e repetência têm maior recorrência em determinadas populações, entre elas de quilombolas e indígenas, em áreas rurais ou entre pessoas com deficiência”, diz.

Lousa

Crédito, MARCOS SANTOS/USP IMAGENS

Pesquisa mostra que ainda há escolas fechadas, apenas ofertando aulas remotas, no Brasil

Dias Pinto cita ainda a necessidade de abordar as desigualdades raciais e regionais quando são elaboradas soluções para o problema da evasão escolar.

Entre as crianças e adolescentes que estão na escola, 46% disseram ter se sentido despreparadas para acompanhar as atividades escolares no retorno para o presencial após a pandemia de covid-19, contra 44% que disseram discordar da afirmação.

Mas quando comparadas as respostas de alunos negros e brancos, 39% das crianças e adolescentes brancas disseram sentir despreparo, enquanto 50% das negras concordaram com a afirmação.

A pesquisa mostra também que ainda há escolas fechadas, apenas ofertando aulas remotas, no país. Enquanto 92% dos estudantes dizem que sua escola só tem aulas presenciais, ainda há 5% que afirmam ter aulas presenciais e remotas, e 3% que têm apenas aulas remotas.

A região Norte é a que apresenta o cenário mais desafiador, com apenas 82% das escolas totalmente presenciais e 11% apenas com aulas remotas.

Mas mesmo depois do longo período de fechamento por conta da pandemia, estar na escola é um fator de esperança, segundo a pesquisa. Entre quem está frequentando a escola, 84% dizem estar interessados nos estudos, 71% se sentem animados e 70% estão otimistas com o futuro.

Saúde e renda

Na escola Mestre Júlio Sarmento, Nadi identificou que os dois principais obstáculos que afastam os estudantes da escola são os problemas de saúde e as dificuldades socioeconômicas, que obrigam os adolescentes a trabalhar.

Uma estudante auxiliada pela coordenadora, por exemplo, faltava pelo menos quatro dias todos os meses. Após um estudo do caso, a escola percebeu que as faltas coincidiam com o período em que ela estava menstruada.

“Ela sentia dores, tinha um fluxo muito intenso e tinha vergonha e medo de se sujar”, conta Nadi. “Conversei com a mãe sobre a situação e encaminhamos a família para um ginecologista. Quando ela começou a se sentir confortável para discutir o assunto e passou a ter acompanhamento médico, voltou à escola e se formou.”

Já para os alunos que enfrentavam dificuldades socioeconômicas em casa e sentiam a necessidade de contribuir financeiramente com a família, a escola lançou um projeto de empreendedorismo que auxilia os estudantes com a renda ao mesmo tempo em que ensina conceitos importantes como finanças e organização.

“O projeto auxilia especialmente os alunos maiores de idade, que são os que mais desistem da escola por precisarem trabalhar”, diz a coordenadora.

“Uma de nossas alunas, por exemplo, voltou para a escola e começou a vender bombons saudáveis”, relata. “Ela se formou e recentemente a encontrei por acaso na rua. Ela me deu um abraço grande e me agradeceu. Fiquei orgulhosa.”

A coordenadora pedagógica Nadi Pereira Mendes (de azul) ao lado de alunos e professores

Crédito, Arquivo pessoal

A coordenadora pedagógica Nadi Pereira Mendes (de azul) ao lado de alunos e professores

Nenhum a menos

Histórias de sucesso como a da Escola Cidadã Integral Mestre Júlio Sarmento em Sousa se repetem em outros estados e cidades pelo país, em um exemplo de que os desafios não são impossíveis de serem superados.

Na Comunidade do Coração, nos arredores da capital do Amapá, Macapá, a Escola Municipal Goiás atende tanto estudantes da zona rural quanto urbana. A instituição também conseguiu reverter uma situação preocupante de evasão escolar com um projeto focado na busca ativa dos alunos.

“Se a criança falta três dias seguidos e nenhum responsável aparece na escola para justificar as faltas, o professor entra em contato imediato com a família para questionar os motivos”, explica Agnaldo da Silva Silveira, ex-coordenador pedagógico da escola que atualmente trabalha na Secretaria de Educação do Amapá.

Escola Municipal Goiás, nos arredores de Macapá

Crédito, Naiara Jinknss | Unicef

Escola Municipal Goiás, nos arredores de Macapá

“O primeiro contato é por telefone. Quando não temos êxito mandamos uma convocação por escrito. E o último recurso é uma visita à casa da família. Essas visitas se tornaram super importantes para trazer os alunos de volta.”

A ação é parte do projeto “Nenhum a Menos”, iniciativa criada pela escola em 2015 que conseguiu reduzir de 11% para menos de 5% os casos de abandono escolar.

“Em casos mais graves explicamos aos pais qual a sua responsabilidade com a educação dos filhos e deixamos claro que, se a criança continuar a faltar, precisaremos acionar o Conselho Tutelar”, diz Agnaldo. “Mas felizmente tivemos que fazer isso poucas vezes, quase sempre resolvemos na conversa.”

O coordenador explica que muitos dos alunos atendidos pela escola são filhos de agricultores, pescadores e trabalhadores informais da região rural de Macapá que enfrentam dificuldades financeiras e de locomoção.

“Especialmente no período de chuvas, que vai de dezembro a maio, muitas crianças faltam porque fica praticamente impossível sair de casa por conta de alagamentos e muita lama”, diz. “Aqueles que vêm chegam sujas e molhados, o que dificulta o aprendizado.”

Quase metade das meninas e meninos da Escola Goiás usa o transporte coletivo escolar, mas em algumas comunidades mais afastadas as peruas ainda não estão disponíveis.

“Não são apenas problemas de saúde ou renda que afastam os alunos e temos que pensar em tudo isso para garantir o direito das crianças de estudarem”, afirma Agnaldo.

O coordenador Agnaldo Silveira

Crédito, Naiara Jinknss | Unicef

‘Se a criança falta três dias seguidos e nenhum responsável aparece na escola para justificar as faltas, o professor entra em contato imediato com a família’, explica o coordenador Agnaldo Silveira

“Ainda temos muito a fazer e nosso objetivo é chegar à evasão zero. Mas estamos satisfeitos com o nosso progresso.”

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Fonte: BBC