DOMINGO, 8 DE MAIO, PARABÉNS A TODAS AS MÃES.

Para marcar a data, nós da coluna CNN No Plural+ batemos um papo com a maior artilheira da história do futebol nos Jogos Olímpicos, Cristiane Rozeira. Atualmente, ela joga pelo Santos.

Cris tem 36 anos, é lésbica, casada com a advogada Ana Paula Garcia e, por fim, é mãe do Bento, que acabou de completar um ano.

Uma conversa incrível, em que ela fala sobre a relação com a família depois que se assumiu lésbica, o dia a dia no futebol com a maternidade e o que mudou em sua vida após a chegada do Bento.

Um exemplo para muitas mulheres da comunidade LGBTQIA+ que sonham em ser mães um dia.

CRIS, COMO FOI O PROCESSO DE PERCEPÇÃO DA SUA MÃE SOBRE A SUA SEXUALIDADE? E O QUE VOCÊ FARIA DIFERENTE COM O SEU FILHO? 

Cris Rozeira – Eu acho que a minha maior preocupação não era nem em contar para a minha mãe. Era como eu seria vista, como seria com marcas e empresas futuras que eu quisesse ter esperança de fechar um contrato. Eu vivia naquele famoso armário. Eu contava para os meus amigos, para as pessoas mais próximas, mas para os familiares a gente mantinha aquele ‘ai e os namoradinhos?’ ‘Ai, agora não’.

Eu acho que eu não faria nada diferente de como foi a minha mãe comigo. Eu conversaria muito com ele [Bento], porque é isso o que eu e a Ana [esposa] queremos com ele. A gente sabe que vai ser muito difícil para ele, porque ele vai ter que enfrentar a sociedade em que ele tem duas mamães. Espero que não, mas pode ser que ele passe por preconceito e queremos que ele seja um cara que saiba dar a resposta em cima disso, que saiba como lidar com isso.

VOCÊ ACHA QUE O FUTEBOL É UM LUGAR RECEPTIVO PARA AS JOGADORAS QUE SÃO MÃES?

Cris Rozeira – Eu acho que não, porque dentro do futebol feminino nós não temos muitas mães. E pela experiência que eu tenho de falar com outras meninas que têm esse desejo, a maior preocupação delas é: será que eu vou ser acolhida pelo meu clube? Será que depois desse período que eu parar, eu vou ter assistência do meu clube? E aí entra um lado um pouco mais difícil, porque quando você é uma atleta mais velha, é como se fosse ‘ah, como eu vou pegar uma atleta de 38/39 anos pra voltar com as atividades dentro do clube?’

COMO VOCÊ ACHA QUE A RELAÇÃO DE UM CASAL HOMOAFETIVO PODE CONTRIBUIR PARA O PROCESSO DE ACEITAÇÃO DE UM FILHO DA COMUNIDADE LGBTQIA+?

Cris Rozeira – Eu acho que a aceitação vai ser melhor, já que dentro do seu ambiente familiar tem casais que são homoafetivos. Então, acho que isso traz uma segurança maior para a criança, para conseguir se abrir, para conseguir falar como se sente e, com isso, ter a força dos seus familiares para ele conseguir enfrentar todo o preconceito que pode ser que aconteça ao longo da vida dele. Mas acredito que o processo dentro de casa acabe sendo mais tranquilo.

VOCÊ ACREDITA QUE O PRECONCEITO NO FUTEBOL [SOBRE MATERNIDADE] JÁ ATRAPALHOU A RELAÇÃO ENTRE VOCÊS, SUA ESPOSA E SEU FILHO?

Cris Rozeira – Eu acho que dentro do futebol a gente sabe que não há muitas mães, justamente pelo processo de dificuldade de que ‘ou eu paro para engravidar e encerro minha carreira, ou não sei se o clube vai me dar o suporte’. Então acho que são coisas que incomodam quando uma pessoa não tem uma sensibilidade um pouco maior de pensar ‘poxa, hoje ela tá muito cansada. O que a gente pode fazer hoje? A gente pode perguntar pra ela como está sendo esse processo de ter um filho pequeno em casa’. Então talvez por essas pessoas de dentro do futebol nunca terem vivenciado isso, é novo. Mesmo que eu não tenha gestado o Bento, todo esse lado de estar com ele, de poder ficar algumas horas com ele, principalmente de manhã ou de madrugada, a gente trabalha com o nosso corpo, então ou chega com sono ou chega cansada.

EM ALGUM MOMENTO, POR CONTA DE SER UMA MULHER LÉSBICA E FIGURA PÚBLICA, VOCÊ TEVE DÚVIDAS SOBRE SE TORNAR MÃE? 

Cris Rozeira – Eu tinha essa preocupação principalmente por conta das marcas, já que dentro do futebol feminino sempre foi difícil de fechar contratos e ter parcerias. Então no início eu tinha essa preocupação. Com o tempo e com a vontade de querer ser mãe, de ter tido essa vontade muito grande entre mim e a Ana, acho que trouxe muito mais força para enfrentar tudo o que viesse e mostrar que existe um amor muito grande aqui desse lado, que as pessoas podem, sim, acreditar e sonhar em ser mães, principalmente casais homoafetivos. Acho que essa força de se tornar mãe fez com que a gente se encorajasse para lutar nesse mundão todo que, infelizmente, a gente vê que ainda existe muito preconceito.

PARA VOCÊ E PARA A ANA, QUAL FOI O MELHOR MOMENTO DA GRAVIDEZ E DA VIDA COM O BENTO? 

Cris Rozeira – Eu acho que foi a explosão de ter descoberto que seríamos mamães. Acho que foi uma alegria muito grande dentro da nossa casa, dentro da nossa família. Acho que agora a gente fala que talvez seja o melhor momento, porque agora o Bento está se comunicando, está interagindo, então é o ‘mundinho do Bento’. Mas no momento que a Ana tava grávida, aquele momento de senti-lo na barriga, de cantar para ele, de mexer… tinha um sorvete que a Ana comia e ele acabava se mexendo bastante, acho que tiveram momentos bem gostosos.

HOJE, DEPOIS DE SER MÃE, VOCÊ ENTENDE MELHOR A SUA MÃE? 

Criz RozeiraA gente sempre pega algumas coisas das nossas mães, né? A gente vai escutando as histórias que elas contam para a gente de como eram as coisas quando éramos crianças. Não que antes não tivéssemos isso, mas acho a gente tem uma percepção do quanto algumas situações são difíceis para quem é mãe. Então, por exemplo, se você vai andar com um carrinho de bebê em uma rua em que a calçada está toda quebrada, é super difícil para passar ali. Ou se tem uma fila que é preferencial e as pessoas não respeitam, isso é uma coisa muito absurda para a gente.

A gente sempre respeitou, porque foi o que foi passado para a gente. O restante das coisas a gente está aprendendo, está sendo uma descoberta nova, está sendo a nossa maneira de criar o Bento, de entender o que e como ele quer as coisas. É muito doido, né? Porque ele tem muito essas coisinhas, a gente vai aprendendo com ele e escutando as nossas mães também, porque acho que elas têm bastante coisa para passar para a gente, mas acho que a gente vai desvendando o mundinho dele, as duas juntas.

O QUE MUDOU NA SUA VIDA DEPOIS QUE VOCÊ VIROU MÃE?

Cris Rozeira – A gente solta fogos quando tem alguns momentos em que a gente consegue dormir até às 10h, por exemplo. E o quanto dá aquela saudade quando eu vou jogar e quero voltar logo para casa. E agora que ele está naquele momento de chamar ‘mamãe, mamãe’… Quando eu não estou em casa ele fica batendo na porta e me chamando, dá uma saudade muito grande.

E o quanto a gente é forte é muito engraçado, porque a gente não tem noção da força que a gente tem até se tornar mãe. É como se fosse ‘vem aqui, nós somos a sua proteção’. É isso o que a gente é para ele, essa força de sempre querer dar o melhor para ele, imaginando o que a gente vai criar com ele, qual é o mundo que a gente vai construir juntos.

  • Apoio: Carol Raciunas

Fonte: CNN Brasil