• Leandro Prazeres
  • Da BBC News Brasil em Brasília

Há 13 minutos

Milton Ribeiro (à direita de Bolsonaro) e pastores Gilmar Santos e Arilton Moura (à direita de Ribeiro) em evento no Ministério da Educação

Crédito, Catarina Chaves/MEC

Milton Ribeiro (à direita de Bolsonaro) e pastores Gilmar Santos e Arilton Moura (à direita de Ribeiro) foram os alvos principais da operação da Polícia Federal

A pouco mais de três meses das eleições, o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá se tornar protagonista de um episódio com eventuais repercussões na corrida presidencial.

Na terça-feira (5/7), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou que a comissão parlamentar de inquérito (CPI) do Ministério da Educação (MEC), que deverá investigar denúncias de cobrança de propina para liberação de verbas da pasta, só vai funcionar após a eleição.

Agora, a oposição, que conseguiu 31 assinaturas (4 a mais que o necessário) para instalar a CPI, ameaça recorrer ao STF para obrigar Pacheco a botá-la em funcionamento antes, provavelmente em agosto. O caminho a ser adotado para conseguir isso deverá ser definido nos próximos dias.

A estratégia é conhecida e foi usada pela última vez em 2021, quando o Supremo determinou que Pacheco instalasse a CPI da Covid, que investigou suspeitas de irregularidades nas ações do governo federal e dos Estados durante a epidemia de covid-19.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que há semelhanças entre os dois casos, mas que a proximidade com o período eleitoral e a tensão recente entre o Judiciário e o Executivo podem fazer com que o STF adote uma postura mais cautelosa e evite instalar uma CPI que pode atingir diretamente a campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

‘Gabinete paralelo’

Ministro da Educação, Milton Ribeiro

Crédito, Agência Brasil

Milton Ribeiro disse em áudio priorizar dois pastores na concessão de verba federal

A pressão para a instalação da CPI do MEC começou ainda em março deste ano quando os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo”, denunciaram um suposto “gabinete paralelo” no ministério formado por pastores evangélicos Arilton Moura e Gilmar Santos.

De acordo com as reportagens, os religiosos negociariam a liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para municípios em troca de propina.

Milton Ribeiro diz, em um áudio, que dava prioridade aos pedidos de verbas intermediados pelos pastores por determinação do presidente Bolsonaro.

Logo após o surgimento das primeiras denúncias, Bolsonaro chegou a dizer: “Eu boto minha cara no fogo pelo Milton”.

Mesmo assim, dias depois, o então ministro pediu exoneração. Milton Ribeiro nega ter operado qualquer esquema de favorecimento a pastores.

“O presidente da República não pediu atendimento preferencial a ninguém, solicitou apenas que pudesse receber todos que nos procurassem, inclusive as pessoas citadas na reportagem”, disse o ex-ministro em comunicado à imprensa em março.

A pressão pela CPI do MEC aumentou em junho, quando a PF deflagrou a Operação Acesso Pago e prendeu Ribeiro, os pastores e outras duas pessoas por suspeita de crimes como corrupção e tráfico de influência.

Todos negam participação em irregularidades.

Ribeiro e os dois pastores foram soltos no dia seguinte após a concessão de um habeas corpus pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Ao mesmo tempo, o Ministério Público Federal (MPF) pediu que parte do caso fosse encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF), porque Ribeiro disse, em ligação telefônica interceptada com autorização da Justiça, que teve uma conversa com o presidente na qual Bolsonaro teria afirmado que teve um “pressentimento” de que o ex-ministro poderia ser alvo de mandados de busca e apreensão.

Em entrevista ao programa no YouTube 4X4, em junho, Bolsonaro ignorou o conteúdo das conversas interceptadas de Milton Ribeiro, mas disse que, em sua avaliação, não haveria “indícios mínimos” para a prisão do ex-ministro.

“Deixo claro, que o Ministério Público foi contra a prisão do Milton. Não tinha indícios mínimos ali de corrupção por parte dele. E no meu entender ele foi preso injustamente”, disse o presidente.

Pacheco e a CPI do MEC

O senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG)

Crédito, Waldemir Barreto/Agência Senado

Pacheco disse que CPI do MEC só vai começar a funcionar depois das eleições

A possibilidade de o STF ter que decidir sobre a instalação ou não da CPI do MEC ganhou força depois que Pacheco anunciou em suas redes sociais que leria o requerimento de instalação da CPI do MEC, mas que ela só começaria a funcionar após as eleições.

A leitura do requerimento de abertura é o primeiro passo para o funcionamento de uma CPI. Depois disso, é preciso que o presidente do Senado estabeleça detalhes como local, orçamento e quantidade de servidores que atuaram dando suporte aos trabalhos da comissão.

Além de ler o requerimento da CPI do MEC, Pacheco deverá ler os requerimentos de abertura de outras duas CPIs: uma para investigar corrupção na educação durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT) e outra para apurar atuação do narcotráfico e crime organizado na Amazônia. A previsão é que a leitura seja feita na quarta-feira (6/7).

À BBC News Brasil, Pacheco disse que a decisão de deixar o início dos trabalhos da CPI do MEC para depois das eleições foi da maioria dos líderes partidários.

“Segundo amplo entendimento dos líderes partidários do Senado, alinhados ou não com o governo, não seria conveniente a existência das comissões parlamentares de inquérito no Senado Federal, às vésperas de um recesso parlamentar, e início de um período eleitoral, que se segue pelos meses de agosto e setembro”, disse o senador.

Ele afirmou ainda que o objetivo é impedir uma “contaminação” das investigações.

“Essa também é uma forma de evitar que o período eleitoral, em que naturalmente há uma politização, acabe partidarizando as discussões. Essa é uma forma de evitar a contaminação em um processo que, necessariamente, precisa ser uma investigação minimamente isenta e imparcial”, afirmou o senador.

Na prática, a decisão de Pacheco autoriza o funcionamento da comissão, mas segura o início dos trabalhos até pelo menos novembro.

Analistas políticos avaliam que a decisão favorece Bolsonaro porque uma CPI do MEC poderia desgastar sua candidatura à reeleição. Segundo as principais pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro aparece em segundo lugar, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O senador Humberto Costa (PT-PE), porém, disse à BBC News Brasil que, se Pacheco mantiver essa decisão, a oposição recorrer ao STF para pedir a instalação imediata da CPI, a exemplo do que aconteceu em 2021 para a CPI da Covid.

“Os casos são muito semelhantes. Essa medida do presidente Pacheco é uma forma de não cumprir com a sua obrigação que é fazer a CPI funcionar. O argumento da proximidade das eleições não faz sentido. Justamente porque há eleições é que o eleitor precisa saber o que é verdade ou não nas acusações de corrupção no MEC”, afirmou o senador.

Já o senador governista Eduardo Gomes (PL-TO) disse que a decisão de Pacheco não atende a uma estratégia do Planalto.

“Não tem estratégia. A maior parte dos senadores entendeu que estamos em um período eleitoral e será preciso dedicar energia nesse processo. Haveria enormes dificuldades em fazer funcionar uma CPI”, afirmou.

CPI da Covid e do MEC: semelhanças e diferenças

A alusão de Humberto Costa à CPI da Covid é uma menção ao papel que o STF desempenhou em 2021 e que resultou na instalação da comissão no Senado.

Na época, a oposição também havia protocolado um pedido de abertura de CPI para investigar supostas irregularidades na condução da epidemia pelo governo federal, mas Pacheco hesitava em instaurar a comissão.

Um grupo de senadores encabeçado por Alessandro Vieira (PSDB-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) ingressou com uma ação no STF.

Em abril daquele ano, o ministro Luis Roberto Barroso concedeu uma decisão liminar obrigando Pacheco a instalar a CPI da Covid. Em sua decisão, Barroso argumentou que o Supremo teria poder para suprir a “omissão” apontada pelos senadores.

Pacheco, então, acatou a decisão, e a comissão foi instalada.

Ao longo dos meses em que ela funcionou, a reprovação ao governo Bolsonaro chegou ao seu pico. Em setembro de 2021, 53% das pessoas entrevistadas o classificavam como ruim ou péssimo. Dados de junho mostram que a taxa caiu para 47%.

Para o advogado Fernando Jambo Falcão, um dos responsáveis pela ação que fez o Senado instalar a CPI da Covid, o caso da CPI do MEC é muito parecido com o do ano passado.

“Nos dois casos, havia um requerimento assinado pela quantidade exigida de senadores, fatos determinados e um prazo para os trabalhos. O que o STF determinou naquela época é que quando esses pré-requisitos estão preenchidos, o presidente do Senado não pode fazer uma avaliação sobre a oportunidade da abertura da CPI ou não. Tem que abrir (a comissão)”, disse o advogado.

O professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Wallace Corbo também avalia que, do ponto de vista jurídico, os casos são semelhantes e que os argumentos que fundamentaram a decisão do STF em 2021 sobre a CPI da Covid poderiam embasar uma decisão parecida em relação à CPI do MEC.

“O STF decidiu em 2021 que o presidente do Senado não pode fazer julgamento de conveniência ou oportunidade para instaurar uma CPI. Decidir que ela só funcionará depois das eleições pode ser interpretado dessa maneira e pode fazer com que o Supremo tome uma decisão semelhante à que tomou em 2021”, disse o professor.

Já o cientista político e professor da FGV Marco Antônio Teixeira diz que a proximidade do período eleitoral e os episódios recentes de tensão entre Bolsonaro e ministros do STF podem fazer com que o Supremo adote uma postura mais cautelosa.

Nos últimos anos, Bolsonaro têm feito ataques a integrantes do STF como Alexandre de Moraes, Luiz Edson Fachin e Luis Roberto Barroso. Ele diz que os magistrados atuam para enfraquecê-lo e perseguir seus aliados.

Moraes é relator de inquéritos que apuram a disseminação de notícias falsas e ataques contra autoridades, no qual Bolsonaro é um dos investigados. Ele também será o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – órgão responsável pelas eleições – durante o pleito deste ano.

“Apesar de os casos serem semelhantes, não é possível ignorar as eleições. Tribunais superiores como o Supremo fazem avaliações políticas e, considerando o histórico de embates, não vejo clima para o STF determinar a instalação da CPI do MEC agora”, afirma Teixeira.

Corbo acredita, no entanto, que a tendência é de que um pedido de liminar para a instalação da CPI do MEC deve ser acatado, exceto se ele for designado para alguns dos ministros indicados por Bolsonaro: Kassio Nunes Marques e André Mendonça.

“Se cair para um desses dois, a tendência é o pedido ser barrado. No caso de Nunes Marques, por exemplo, ele já demonstrava contrariedade sobre o papel do STF no caso da CPI da Covid. Do contrário, penso que a tendência é a manutenção da decisão de 2021”, disse.

Rodrigo Pacheco, por outro lado, afirmou que os casos envolvendo a CPI da Covid e do MEC são diferentes e disse não ver motivos para que o STF interfira desta vez.

“O ato da leitura de requerimento, em Plenário, cumpre os requisitos regimentais e pacifica o assunto. Portanto, não vislumbro uma iniciativa do STF, caso seja provocado, neste sentido. As CPIs ocorrerão num período de normalidade do funcionamento parlamentar, com a participação dos senadores, e sem a contaminação do período eleitoral”, disse o presidente do Senado.

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Fonte: BBC