Lembro do dia que me aceitei um homem gay.

Lembro do dia que contei para os mais próximos.

Lembro até do dia que contei para os não tão próximos. Que libertador.

Mas não me lembro do dia em que comecei a me sentir dentro da comunidade LGBTQIA+.

Talvez pelo fato de ser gay, sempre olhei para a sigla e enxerguei um G maiúsculo – e as outras letras bem pequenas.

Que vergonha. Deixo claro que eu mudei.

E essa conscientização só veio quando eu saí do meu mundo machista. Sim, gays podem e são machistas. E resolvi ouvir quem também luta ao meu lado.

Ouvi de uma amiga uma vez que “LGBTQIA+”, dependendo de quem lê, vira “GGGG”.

Então, no dia de hoje, em que se marca o Dia do Orgulho Lésbico eu, na tentativa – digo tentativa, porque isso aqui ainda é muito pouco – quero abrir o espaço da coluna do CNN no plural + para alguém que tem propriedade para falar sobre essa data.

Apresento a vocês Larissa Pansani – jornalista, lésbica e apaixonada por quem é: 

Sabe o que nunca saiu da minha cabeça?

Essas perguntas:

– “Quando você virou lésbica?”. Não virei, sempre fui.
– “Mas com que idade?”. Acho que desde que me conheço por gente.

Esse diálogo é constante quando me questionam sobre minha sexualidade. Muitas garotas demoram alguns anos para se darem conta de que talvez não façam parte do padrão estipulado pela sociedade. Mas não foi o meu caso. Eu sempre soube. Nunca foi uma questão para mim. Nunca foi um processo pelo qual eu tivesse que passar.

Quando a gente fala sobre o orgulho LGBTQIA+, o que me vem à cabeça ainda é o preconceito dentro da própria comunidade.

Mas como assim preconceito? Isso mesmo, a letra L ainda não tem o respeito que deveria ter. Talvez o machismo estrutural explique.

Ou talvez não. A temática é sensível e é impossível fazer uma leitura adequada sem usar exemplos e situações. Por isso, vou trazer alguns deles:

Vim para São Paulo em 2010 com o objetivo de cursar Rádio e TV e me profissionalizar na área da Comunicação.

Realmente era meu objetivo. Mas não o único. Eu também queria vivenciar uma outra realidade, onde ser eu mesma não causasse tanto incômodo. Ou seja, vir para São Paulo também fazia parte do meu futuro pessoal. E quando comecei a experimentar essa realidade tão aguardada, notei que existia sim um espaço bem maior para essa comunidade. Mas não para toda a comunidade.

Existem muitos bares, festas temáticas, casas noturnas e até mesmo blocos de Carnaval destinados ao público gay (ou para homens que ficam com homens). Mas nem tantos destinados ao público lésbico ou bissexual. Claro que essas atrações vêm aumentando com o passar dos anos, assim como acontece na luta diária da população queer, mas ainda é uma luta.

No período pré-pandemia, em uma casa que não vou mencionar o nome, era comum que se realizassem festas para o público LGBTQIA+. Mas, na prática, o direcionamento da festa era para os homens gays e bissexuais.

Como eu posso saber disso? Na época, o preço da entrada do local variava de R$ 50 a R$ 60 para homens – e R$ 70 a R$ 80 para as mulheres. Então, óbvio, não era uma festa atrativa para mim, pelo menos.

Outro exemplo é a variedade de aplicativos de namoro voltados a este público. Mas quantos foram desenvolvidos e pensados para mulheres lésbicas e bissexuais?

A verdade é que existe um preconceito da indústria comercial que atende essa comunidade. É como se a parcela de mulheres lésbicas e bissexuais não fosse rentável. Muito disso acontece por conta do preconceito dentro da própria comunidade.

Eu tenho amigos fantásticos – dentro da comunidade LGBTQIA+ – que nunca largaram minha mão e me aceitam e me celebram todos os dias. Mas o problema é que eu tenho esses amigos agora, aos 30 anos. Ao longo da minha juventude, muitas pessoas do meu convívio social, que também faziam parte da comunidade queer, trataram minha situação com menor importância e até mesmo desdém.

É como se a luta do homem gay fosse maior que a luta da mulher lésbica. E não é assim. O processo de aceitação é o mesmo. Os traumas e cicatrizes também. O olhar de desaprovação de pessoas que nem te conhecem machuca da mesma forma. 

Então, antes de comemorar o Dia do Orgulho Lésbico, precisamos olhar para dentro dessa luta e chegar à conclusão de que é uma luta conjunta. Além das mulheres, os homens também precisam tornar essa luta legítima. É uma escalada que precisa ser feita por todos. Porque se tem uma coisa que explica o espaço que a comunidade queer tem hoje, essa coisa é a parceria.

A letra L não é apenas um pedido de políticas públicas para as mulheres que se relacionam com mulheres. Não é uma caixinha para segmentar um público. Não é um festival de estereótipos e muito menos uma fantasia sexual. A letra L é um grito de independência. Antes ela me representava apenas pelo meu nome, Larissa. Hoje, tem um significado muito maior.

A jornalista Larissa Pansani / Acervo pessoal

Fonte: CNN Brasil