Cientistas da China relataram a descoberta de um novo vírus, chamado Langya. O microrganismo pertence ao gênero Henipavírus da família Paramyxoviridae. Foram relatados 35 casos em humanos ocorridos em províncias da China entre 2018 e 2021.

Vírus semelhantes, como o Hendra e o Nipah, são conhecidos por infectar humanos e causar doenças fatais. No entanto, no estudo atual não foi descrita nenhuma morte associada à infecção. Os achados foram publicados no periódico científico New England Journal of Medicine (NEJM) no dia 4 de agosto.

Diante do surgimento de um novo vírus capaz de provocar infecções em humanos, a memória nos conduz ao cenário do final de 2019, quando casos de pneumonia de origem não identificada, que vieram a ser definidos como a Covid-19, começavam a aparecer na China.

Para esclarecer o que já se sabe sobre o Langya, a CNN conversou com cientistas brasileiros que realizam a vigilância e o estudo dos mais diferentes tipos de vírus. Aqui estão algumas pistas sobre as características e os riscos do novo microrganismo.

O que diz o artigo publicado no NEJM

O primeiro caso de infecção humana pelo novo vírus foi detectado durante a vigilância de pacientes com febre que apresentavam histórico recente de contato com animais no Leste da China. Os pesquisadores identificaram que se tratava de um novo vírus a partir do isolamento viral e da análise das informações genéticas.

De acordo com o estudo, o genoma do vírus Langya (LayV) é semelhante ao de outros henipavírus, como o Hendra e o Nipah, com maior semelhança com um henipavírus chamado Mojiang, descoberto no Sul da China.

A partir da descoberta inicial, os cientistas realizaram investigações complementares que levaram à identificação de um total de 35 pacientes infectados nas províncias de Shandong e Henan, na China. Desse grupo, 26 foram infectados apenas com o Langya, sem nenhum outro agente causador de doença presente.

Esses 26 pacientes apresentaram sintomas como febre (100% dos pacientes), fadiga (54%), tosse (50%), anorexia (50%), dor muscular (46%), náuseas (38%), dor de cabeça (35%) e vômitos (35%). Os sintomas foram acompanhados de queda nas plaquetas (35%) e de glóbulos brancos (54%), além de anormalidades nas funções do fígado (35%) e dos rins (8%).

Com o objetivo de identificar o possível hospedeiro do vírus, também chamado de reservatório, os pesquisadores realizaram uma investigação sorológica de animais domésticos e de pequenos animais selvagens.

Os dados apontam que, das 25 espécies selvagens analisadas, o RNA do novo vírus foi detectado principalmente em musaranhos, que são pequenos mamíferos, sugerindo que eles podem ser um reservatório natural do vírus. O vírus Langya também foi identificado de maneira menos significativa em cabras e cães.

Risco de nova pandemia é baixo, dizem especialistas

O estudo aponta que não foi identificada a transmissão do vírus de uma pessoa para outra, o que sugere que a infecção entre humanos possa ser esporádica.

“O rastreamento de contato de 9 pacientes com 15 familiares de contato próximo não revelou transmissão de LayV por contato próximo, mas o tamanho da amostra foi muito pequeno para determinar o status da transmissão de humano para humano para LayV”, diz o artigo.

Para os pesquisadores, o fato de que os casos tenham sido registrados em um período longo de tempo sugere que a transmissão não ocorre de forma rotineira, como no caso da Covid-19 que apresentou um aumento rápido e significativo de infectados.

“Temos uma boa notícia, são cerca de 35 pessoas que tiveram o diagnóstico positivo para o vírus, algumas com complicação hepática e renal, mas nenhum óbito reportado em período relativamente longo, sem relatos relativos a transmissão entre humanos, esse ponto é algo que nos tranquiliza”, afirma o virologista Fernando Spilki, pesquisador da Universidade Feevale, do Rio Grande do Sul.

“Algumas circunstâncias fazem com que não tenhamos mesmo temor da pandemia de Covid-19. O Langya não é exatamente um vírus altamente infeccioso, tanto que esses 35 casos, sendo 26 bem estudados, aconteceram ao longo de mais de três anos, desde 2018. Os pesquisadores vêm acompanhando casos dessa infecção, não é igual a Covid-19 que, de repente, teve uma explosão de casos”, complementa o pesquisador Flávio Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia (SBV).

O pesquisador José Eduardo Levi, da Universidade de São Paulo (USP), avalia que a pandemia de Covid-19 despertou o alerta de autoridades sanitárias em diversos países para a reestruturação de serviços de diagnóstico e preparação para novas emergências.

“Foram montadas redes de vigilância, um teste para isso é o Monkeypox. Aqui, vamos avaliar se melhorou a capacidade de diagnóstico, que é fundamental para qualquer doença emergente saber quem está infectado. O sequenciamento está sendo feito de forma organizada, por exemplo? Isso é a prova do nosso aprendizado imediato”, aponta Levi.

Por que os henipavírus causam preocupação

Ao longo do tempo, cientistas observam que vírus de diferentes gêneros da família Paramyxoviridae apresentam uma capacidade de ‘saltar’ entre espécies diferentes, se disseminando e estabelecendo novos nichos.

Entre os henipavírus, o Hendra e o Nipah são os mais conhecidos devido aos casos documentados de mortes de animais e de pessoas.

“Esse grupo, cujos representantes mais conhecidos são realmente o Nipah e o Hendra, que surgiram na Ásia e se mantiveram basicamente no continente em termos de manifestação de doença. Os poucos surtos, sejam em animais ou humanos, aconteceram principalmente na Ásia. Esses dois vírus se caracterizam por uma manifestação neurológica muito forte, uma encefalite intensa com letalidade elevada”, explica Fonseca.

De acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, o reservatório natural do vírus Hendra foi identificado como a raposa voadora (morcegos do gênero Pteropus). Desde 1994 e a partir de 2013, as infecções pelo vírus Hendra em humanos permanecem raras, com apenas sete casos relatados.

“Os henipavírus remetem ao vírus Hendra, que provocou nos anos 1990 mortes em equinos na Austrália, depois foi se descobrir que estava relacionado a um vírus de morcegos que tinha chegado aos equinos através do consumo comum de frutas e hoje é um vírus que é extremamente observado”, afirma Spilki.

Estima-se que no primeiro surto de Nipah as pessoas provavelmente foram infectadas pelo contato próximo com porcos infectados. Segundo o CDC, a disseminação do vírus de pessoa para pessoa é relatada em países como Bangladesh e Índia.

“O surto de Nipah, que se origina em uma província na Ásia, em suínos, provocando uma mortalidade altíssima. Em humanos, ele entra a partir de suínos, matando até 50% dos indivíduos que se infectaram naquele momento”, explica Spilki.

Vigilância

Os cientistas afirmam que não há registros de henipavírus como o Hendra, o Nipah e o Langya no país.

No Brasil, a Rede Nacional de Vigilância de Vírus em Animais Silvestres (Previr) realiza ações de monitoramento com o objetivo de detectar e analisar vírus com potencial de emergência em diferentes regiões brasileiras.

O projeto conta com a participação de pesquisadores de instituições brasileiras e estrangeiras, incluindo especialistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“Essa rede de vigilância é justamente para tentar identificar alguns vírus com potencial zoonótico, de uma forma mais rápida e até antecipar uma possível fatalidade. Temos equipes de coleta em diferentes partes do Brasil que reúnem amostras de animais silvestres e fazemos testes específicos para famílias virais, para poder identificar os mais importantes. Temos alvos, como os da família Paramyxoviridae, que englobaria o Nipah, o Hendra e esse novo vírus”, afirma a pesquisadora Helena Lage Ferreira, uma das coordenadoras da rede.

O pesquisador José Eduardo Levi, da USP, afirma que a comunidade científica e a sociedade como um todo devem buscar maneiras de se adaptar à emergência de novos agentes causadores de doenças.

“Há toda uma argumentação de que vamos ter cada vez mais doenças. Somos a espécie de animais de grande porte mais numerosa, então qualquer vírus que se adapte aos humanos e, principalmente para a transmissão entre humanos, se dá muito bem”, diz Levi.

“Há sete bilhões para se infectar, e são pessoas que se movimentam muito e estão em contato próximo. Além das questões ambientais, quanto maior o impacto na destruição do ambiente, quanto mais o homem avança para dentro do ambiente natural, mais chances de termos essas emergências”, completa o pesquisador.

Fonte: CNN Brasil