O governo federal anunciou na última quinta-feira (20) que vai dobrar o “mínimo existencial” — valor garantido para despesas básicas que não pode ser comprometido com o pagamento de dívidas. Para especialistas consultados pela CNN, a medida deve estimular o crédito, mas não resolve situação de consumidores superendividados.

O “mínimo existencial” é a quantia mínima de renda necessária para pagamento de despesas básicas, como água e luz, protegida de instituições credoras por lei em casos de superendividamento. Atualmente, esse valor é de R$ 303. Segundo o governo, passará a R$ 600.

De acordo com o secretário de Reformas Econômicas, Marcos Pinto, a ideia da medida é aumentar a proteção aos superendividados.

“Hoje a gente tem mais de 70 milhões de brasileiros com CPFs negativados. O problema do superendividamento é crônico no país. Com a elevação dos benefícios sociais, e, na mesma linha, a gente está propondo que esse valor do mínimo existencial seja elevado para R$ 600. De R$ 300 para R$ 600, na mesma linha dos benefícios do Bolsa Família”, explicou.

Segundo a coordenadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Ione Amorim, a definição de um valor mínimo único para todo o “bloco de famílias” não é a solução ideal para o problema. Ela destaca que R$ 600 não é uma cifra segura, que dê garantias aos núcleos endividados.

“A questão do mínimo existencial precisa de um debate mais amplo. As pessoas têm rendas diferentes, com gastos diferentes, então não funciona ter uma mesma régua para todo mundo. Não dá para dizer que R$ 303 vai garantir o que deveria, assim como R$ 600”, indica.

A especialista ainda relembra que dívidas como financiamento imobiliário, crédito rural e outras ligadas à atividade empreendedora não atendem ao mínimo, o que fragiliza ainda mais a norma.

Presidente da Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente (Abrarec), Fabíola Meira reitera que o valor do mínimo deve estar amparado em “estudos técnicos”, a fim de garantir a “vida digna” do consumidor e evitar sua exclusão social, mas também visar a recuperação dos valores pelo credores.

Medida deve estimular crédito

O aumento do mínimo existencial foi anunciado pelo Ministério da Fazenda como parte de um pacote de medidas para estímulo do crédito no Brasil. Para Fabíola Meira, a proposta tem esse potencial, pois atua no sentido de evitar que o chamado “consumidor de boa-fé” — aquele que não tem intenção de fazer dívidas — se afaste do mercado de crédito, garantindo resguardo em caso de acúmulo não doloso de débitos.

“A proteção do crédito ao consumidor é sempre relevante para economia e a lei trata, exclusivamente, do consumidor de boa-fé. Logo, a constitucional fixação do mínimo existencial concomitante ao fomento de ações direcionadas à educação financeira, ao crédito responsável, certamente estimulará o crédito”, indica.

A especialista ressalta a necessidade desta medida estar acompanhada de outras que visem a conscientização do consumidor. Ela destaca trechos da Lei do Superendividamento, que se utiliza do conceito de mínimo existencial.

“O incentivo e estímulo ao crédito deve observar as diretrizes preventivas da Lei do Superendividamento, como a informação adequada sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido e a avaliação responsável, pelo credor, das condições de crédito do consumidor”, indica.

Ione Amorim reitera que a mudança deve estimular o mercado de crédito, mas indica que, sem o estabelecimento de medidas estruturais que auxiliem os inadimplentes a quitarem suas dívidas, o cenário não deve se tornar mais saudável ao consumidor.

“As medidas requerem também um programa de educação financeira. Caso contrário, o consumidor fica constantemente em uma espiral de uso de crédito. A gente precisa reestruturar a capacidade de pagamento das famílias”, aponta.

Apesar de a medida proposta pela Fazenda flexibilizar parcialmente o cenário para os consumidores, a presidente da Abrarec destaca que a lei tem mecanismos que previnem os credores contra a má-fé e atuação dolosa de consumidores.

“Eventual movimento de comodismo na quitação das dívidas e aproveitamento das medidas gerando inadimplência e excesso de consumo não encontrarão amparo pelo Judiciário. Vale mencionar que a repactuação não se aplica às dívidas contraídas mediante fraude ou má-fé, contratos celebrados dolosamente ou decorrentes de produtos e serviços de luxo”, conclui.

Fonte: CNN Brasil