• Kevin Keane
  • Reporter de meio ambiente da BBC Escócia
4 novembro 2022

Atualizado Há 6 horas

Três jovens brancos posam na frente de um carro vermelho, outro jovem branco está sentado dentro do carro

Crédito, Mikkelsen/Harald N. Røstvik files, Arkivverket

Da esquerda para a direita: Morten Harket e Magne Furuholmen, do A-ha, e os ativistas Harald Rostvik e Frederic Hauge posam com o carro elétrico em 1989

Quando o assunto são os carros elétricos, a Noruega está quilômetros à frente do Reino Unido. Grande parte dessa liderança deve-se a uma improvável colaboração entre os ativistas ambientais e a banda norueguesa A-ha.

Nos anos 1980, dois ativistas trabalhavam como verdadeiros faróis no movimento ambiental nórdico, promovendo a tecnologia dos veículos elétricos, mas não conseguiam chamar a atenção do público.

Até que eles recrutaram a maior banda de rock do país para ajudar na divulgação.

Era a banda A-ha, uma das mais populares do mundo na época, com sucessos internacionais como Take on Me e Sun Always Shines on TV. Eles chegaram a gravar a música-tema do filme de James Bond 007 – Marcado para Morrer, em 1987.

Juntos, os ativistas e o grupo foram até Berna, na Suíça, onde compareceram ao Tour de Sol – rali de veículos movidos a energia solar – em 1989. Lá, eles viram um carro Fiat Panda cujo motor a gasolina havia sido convertido para eletricidade.

Eles importaram um carro similar e usaram o primeiro veículo elétrico moderno nas estradas da Noruega, lançando uma campanha de desobediência civil. A ideia era mostrar que era preciso desenvolver uma alternativa aos combustíveis fósseis poluentes.

Eles acumularam multas atravessando pedágios sem pagar, estacionando em locais proibidos e recusando-se a pagar os impostos do veículo, argumentando que a nova forma de transporte sustentável deveria ser livre desse tipo de custos para que fosse mais atraente.

O vocalista do A-ha, Morten Harket, declarou à BBC que “não achava que estivesse fazendo papel de rebelde, na verdade. Percebi que era isso, mas era apenas o necessário. Era o que precisávamos fazer. E fez todo o sentido, sabe?”

Os assentos traseiros do Fiat Panda foram retirados para criar espaço suficiente para abrigar as baterias necessárias para alimentar o carro, mas seu alcance era limitado a apenas 45 km. E ele levava 48 horas para recarregar.

Três homens brancos idosos posam em frente a um carro cinza, outro homem está dentro do carro

Harket, Furuholmen, Rostvik e Hauge revisitam a foto de 1989 para o programa de TV BBC Disclosure, da BBC Escócia

Carro apreendido diversas vezes

A ideia foi do professor Harald N. Rostvik, da Universidade de Stavanger, na Noruega. Ele conta que, na época, as pessoas simplesmente riam dele.

“Era difícil até comunicar o que estávamos querendo porque não existia uma palavra como ‘sustentabilidade’.”

“A ideia era constranger o governo, até que, apenas um ano depois de dirigirmos o carro pela primeira vez, eles começaram a implementar os melhores incentivos do mundo, conforme nossas exigências”, relembra ele.

Os incentivos incluíram permitir que os veículos elétricos trafegassem pelos corredores de ônibus, estacionamento grátis, transporte grátis por balsa e imposto zero.

Segundo Frederic Hauge, fundador da ONG ambiental Fundação Bellona, “antes que fizéssemos a importação do carro elétrico juntos, as pessoas só se concentravam nos problemas”.

“Foi um dos primeiros debates amplamente concentrados na solução”, afirma ele. “Levou um ano para abrir caminho com aquele pequeno Fiat Panda até [que surgissem] as regulamentações na Noruega.”

Na verdade, a campanha durou cerca de sete anos até que todos os incentivos fossem adotados.

Nesse período, o carro foi apreendido pelo governo e recuperado pelos apoiadores pelo menos uma dúzia de vezes, mas eles acreditavam que era importante que a Noruega liderasse a redução de carbono do setor de viagens.

Desde meados dos anos 1970, a Noruega é um dos países produtores de petróleo mais ricos do mundo. O país tem um fundo soberano de quase 1 trilhão de libras (cerca de R$ 5,7 trilhões) acumulado com as receitas dos seus campos de petróleo, que servirá de “fundo de pensão” quando eles se esgotarem.

Para o membro do A-ha Magne Furuholmen, “nossas mãos estão manchadas pelo petróleo que nos fez ricos”.

Três jovens brancos e loiros nos anos 1980

Crédito, Getty Images

Os três integrantes do A-ha, da esquerda para a direita: Mags Furuholmen, Morten Harket e Pål Waaktaar

“Por isso, acho que temos uma certa responsabilidade de sair na frente, liderar o caminho”, afirma ele.

“Aquele carrinho abriu o caminho para o estacionamento grátis para os carros elétricos na cidade, com estações de carregamento, e para o não pagamento de pedágio.”

Rostvik afirma que agora tudo é diferente na Noruega. Há mais de meio milhão de veículos elétricos no país, para uma população de apenas 5,4 milhões de pessoas. A Noruega tem a população da Escócia, que tem cerca de 50 mil veículos elétricos (10% dos noruegueses).

No primeiro semestre de 2022, 78% dos carros novos vendidos na Noruega eram totalmente elétricos. O país pretende proibir a venda de novos carros a gasolina e diesel até 2025 – cinco anos antes do Reino Unido. E eles estão otimistas sobre o futuro.

“Agora, 33 anos depois, nós somos adultos e temos filhos. Todos nós temos responsabilidade com as nossas próprias famílias, o nosso país e a comunidade global”, afirma Rostvik.

E Harket também é otimista sobre o futuro.

“O mundo só está assim hoje porque nós o mantivemos assim”, afirma ele. “Porque o padrão de como fazemos as coisas, como tratamos das coisas, pode mudar com muita rapidez se decidirmos mudar.”

Fonte: BBC