• Peter Ball
  • BBC World Service

11 março 2022

Pessoas andando pela rua usando máscaras

Crédito, Getty Images

Já se passaram dois anos desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou que a covid-19 era oficialmente uma pandemia.

Desde aquele 11 de março de 2020, o mundo mudou numa velocidade incrível — desde a maneira como trabalhamos até as formas de prevenção da doença.

A seguir, veja cinco aprendizados que tivemos desde o início da pandemia.

Profissional de saúde prepara uma dose da vacina CoronaVac na Indonésia

Crédito, EPA

Antes da pandemia, a vacina mais rápida havia levado quatro anos para ser desenvolvida. A primeira vacina contra a covid demorou apenas 11 meses para ficar pronta

Assim que a pandemia começou, os pesquisadores começaram a correr para fazer uma vacina que pudesse proteger as pessoas contra a covid-19.

Algumas das farmacêuticas decidiram apostar num tipo de tecnologia que nunca havia resultado em uma vacina aprovada para uso humano — o mRNA.

O risco compensou. A Pfizer-BioNTech e a Moderna foram capazes de desenvolver vacinas contra a covid mais rápido do que qualquer outro laboratório. E elas utilizaram justamente o mRNA.

Mas esse investimento também abriu as portas para toda uma gama de novos tratamentos, que poderão usar essa mesma tecnologia no futuro.

Em resumo, esse tipo de vacina traz um pequeno pedaço de código genético, o mRNA, e reveste-o em gordura. Esse material é absorvido pelas nossas células.

Na sequência, isso serve de “manual de instrução” para que as próprias células fabriquem uma pequena parte do vírus: a espícula. Essa estrutura, também conhecida como proteína S, é responsável por se conectar aos receptores das células e dar início à infecção.

Este fragmento não é prejudicial à saúde, mas o sistema imunológico do corpo pode reconhecê-lo e desenvolver uma resposta efetiva caso o coronavírus tente invadir o organismo. Confira mais detalhes sobre esse processo no infográfico a seguir.

O que a vacina de mRNA faz no corpo

Como mencionado mais acima, o mRNA tem potencial para ser usado de muitas outras maneiras.

Além de servir para o desenvolvimento de vacinas contra outros vírus, como o HIV, o influenza e o zika, essa tecnologia ainda pode ser usada para treinar o sistema imunológico do corpo a atacar células cancerígenas, para criar as proteínas que faltam nas células de pessoas com fibrose cística, ou ainda para ensinar o sistema de defesa de paciente com esclerose múltipla a parar de atacar o sistema nervoso.

A pesquisa sobre tratamentos baseados em mRNA está em andamento há décadas, mas as vacinas contra a covid são a primeira oportunidade em que essa plataforma funcionou na prática. E esse sucesso vai impulsionar novas pesquisas que podem mudar a vida de milhões de pessoas.

Máscaras descartáveis empilhadas em uma mesa

Muitos países mudaram suas recomendações sobre o uso de máscaras e passaram a exigir que elas sejam usadas em vários ambientes

Cerca de quatro meses após as primeiras descobertas sobre a covid, a Organização Mundial da Saúde (OMS) postou no Twitter: “FATO: A covid-19 NÃO é transmitida pelo ar”.

À época, especialistas que representam a entidade não aconselhavam as pessoas a vestir máscaras.

“Não há evidências específicas que sugiram que o uso massivo de máscaras pela população tenha algum benefício particular”, declarou no início de 2020 o diretor-executivo do Programa de Emergências em saúde da OMS, Michael Ryan.

“Não recomendamos o uso de máscaras, a menos que você esteja doente”, acrescentou Maria Van Kerkhove, líder técnica da OMS sobre covid-19.

Mas o que foi aprendido desde o início do surto mudou muito essas impressões iniciais. A OMS agora diz que as pessoas devem “fazer do uso da máscara uma parte normal da vida ao estar perto de outros indivíduos”.

Ao longo do tempo, surgiram evidências de que o coronavírus não é transmitido apenas por grandes gotículas de saliva ou muco que ficam suspensas no ar por um curto período após alguém tossir ou espirrar, ou pelo contato com uma superfície contaminada. A OMS declarou que o patógeno “também pode se espalhar por aerossóis” — partículas muito menores, que permanecem “viajando” pelo ar por muito mais tempo.

Representação gráfica de um vírus que entra no corpo através do nariz e da boca

Crédito, Getty Images

A OMS mudou as orientações ao entender que o coronavírus permanece no ar por muito mais tempo do que o imaginado inicialmente

Em um editorial, o periódico especializado British Medical Journal declarou: “Em várias situações, as pessoas são muito mais propensas a serem expostas ao vírus inalando-o diretamente, e não através de grandes gotículas que pousam nos olhos, nas narinas ou nos lábios.”

“A transmissão do SARS-CoV-2 [o coronavírus responsável pela pandemia atual] após o contato com superfícies agora é considerada relativamente mínima”, continua o texto.

O artigo ainda trouxe exemplos de indivíduos que tinham covid e infectaram outros que estavam a mais de 2 metros de distância, ou que pegaram o vírus num ambiente em que uma pessoa infectada estava presente minutos ou horas antes.

“Em março [de 2020], as pessoas estavam me ligando para perguntar quanto tempo precisavam deixar a lata de feijão no alvejante antes de poder trazê-las para dentro de casa. Todo mundo estava hipervigilante e hiperparanóico”, lembra Paula Cannon, professora de microbiologia molecular e imunologia Escola de Medicina da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos.

“Desde então, aprendemos que vírus transportados pelo ar em espaços fechados mal ventilados — emitidos durante a fala, o canto ou a respiração de pessoas infectadas sem máscara — é a causa provável da maioria das transmissões e a razão pela qual bares e restaurantes sem ventilação são tão arriscados.”

Lavar as mãos e limpar superfícies ainda são bons hábitos para se manter na rotina, mas agora há muito mais ênfase no uso de máscaras e na ventilação dos ambientes.

3. Trabalhar em casa veio para ficar

Uma tela mostrando uma videochamada

Crédito, Getty Images

Mesmo após a covid, é provável que gastemos muito mais tempo em videochamadas

Milhões de pessoas espalhadas pelo mundo foram instruídas a trabalhar de casa durante a pandemia.

Essa realidade é algo que não seria tecnicamente possível há alguns anos, mas a covid mostrou que o uso de ferramentas como videochamadas está acessível para muitos. E isso pode mudar a maneira como milhões de nós trabalhamos.

O Twitter ganhou as manchetes em todo o mundo em maio de 2020 quando anunciou: “Nossos funcionários agora podem trabalhar de casa para sempre. Os últimos meses provaram que podemos fazer isso funcionar.”

No entanto, a gigante das redes sociais acrescentou que os funcionários precisam estar em “uma função e uma situação que os permitam trabalhar de casa”.

Mas não são apenas as empresas de tecnologia que desejam efetivar essa mudança.

Uma pesquisa da consultoria Enterprise Technology Research com 1,2 mil empresas mostrou que a porcentagem de indivíduos em todo o mundo que trabalham permanentemente de casa deve ter dobrado em 2021.

E esse cenário é algo que muitos funcionários querem ver acontecer na prática também.

Em uma pesquisa global com mais de 200 mil pessoas em 190 países, a Boston Consulting descobriu que 89% dos entrevistados esperavam poder trabalhar em casa por algum tempo. Antes da pandemia, essa taxa ficava em 31%.

Esse crescimento dos fãs do home office abarca, inclusive, pessoas que fazem trabalhos manuais e manufatura e esperam poder realizar pelo menos algumas das tarefas sem sair de casa.

Mas para muitos indivíduos, que estão em empregos com salários baixos e pouca estabilidade, as oportunidades de trabalho mais flexível podem ser limitadas, o que aumenta ainda mais as desigualdades.

4. A pandemia atingiu mais as pessoas vulneráveis ​

Um paciente sentado em uma cadeira de rodas enquanto recebe oxigênio através de uma máscara em uma unidade de emergência

Crédito, Reuters

Pessoas de comunidades menos abastadas foram as mais atingidas durante os últimos dois anos

O mundo é um lugar desigual e a pandemia aprofundou ainda mais essas diferenças.

No Reino Unido, um estudo do UK Biobank descobriu que, na parte mais carente do país, 11,4% das pessoas tiveram covid. Já nas áreas mais abastadas, essa taxa ficou em 7,8%.

A equipe de pesquisadores também descobriu que as minorias foram afetadas desproporcionalmente, algo que também foi observado nos EUA.

Em Nova York, dados de 2020 mostraram que hispânicos e negros representavam 34% e 28% das mortes por covid, respectivamente, apesar de totalizarem 29% e 22% da população.

Já um levantamento feito na Califórnia mostrou que pacientes negros não hispânicos tinham 2,7 vezes mais risco de hospitalização em comparação com pacientes brancos.

Em outros lugares, não existem dados precisos sobre os efeitos sociais da covid, mas globalmente uma das maiores disparidades é revelada nas taxas de vacinação.

Nos países de renda média e alta, cerca de 70% da população está totalmente vacinada, de acordo com o site Our World in Data. Essa porcentagem cai para apenas 4% nas nações de baixa renda. E, mesmo em países de renda média baixa, a taxa ainda é de apenas 32%.

À medida que as autoridades médicas dos lugares mais ricos distribuem doses de reforço para lidar com novas ameaças, como a variante ômicron, as consequências mortais da lenta campanha de vacinação em países menos desenvolvidos podem se tornar ainda mais perigosas.

5. Não temos certeza de quando (e se) a covid deixará de ser um problema

Equipe médica transfere um corpo para um caminhão refrigerado que serviu como necrotério improvisado

Crédito, Getty Images

As rápidas mutações do coronavírus tornaram-no um inimigo difícil de combater

A imunidade de rebanho tornou-se uma palavra-chave no início da pandemia — a ideia era que, se um número suficiente de pessoas desenvolvesse anticorpos contra o coronavírus, seja pela infecção “natural”, seja pela vacinação, a covid se tornaria uma ameaça menor.

Esse cenário parece cada vez mais difícil de alcançar. A questão é que a resposta do nosso sistema imunológico diminui com o tempo, um dos motivos que levou muitos lugares a indicar as doses de reforço.

De acordo com Shabir Madhi, reitor da Faculdade de Ciências da Saúde e professor de vacinação da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, a resposta imune após a infecção ou a vacinação dura aproximadamente de seis a nove meses.

Embora as vacinas continuem eficazes na proteção contra as formas graves da doença, elas não parecem impedir a infecção ou a transmissão do coronavírus (ainda que as pessoas não apresentem nenhum sintoma).

“Com as vacinas que temos, mesmo que a transmissão seja reduzida, o conceito de imunidade de rebanho não faz sentido”, avalia o médico Salvador Peiró, do Instituto de Pesquisa Fisabio em Valência, na Espanha, à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.

E vale lembrar também que o vírus tem uma grande capacidade de transformação. Com isso, surgem as novas variantes, e algumas delas são ainda mais transmissíveis e conseguem escapar das vacinas.

As variantes também reforçaram a ideia de que provavelmente teremos que “conviver” com o vírus à medida que ele evolui, atualizando as vacinas regularmente. Nesse cenário, os países altamente vacinados seguirão em algo parecido com a normalidade, mesmo sabendo que, embora algumas pessoas adoeçam, os sistemas de saúde não ficarão mais sobrecarregados.

A ascensão da ômicron nos últimos meses mexeu ainda mais com esse cenário, pois até alguns dos países com as melhores taxas de vacinação precisaram reintroduzir medidas de distanciamento social e exigir que as pessoas recebessem doses de reforço.

Em todo o mundo, não há consenso sobre onde nos encontramos atualmente na pandemia. Alguns países, como o Reino Unido e a Dinamarca, abandonaram totalmente as restrições, enquanto outros, como a China, continuam a manter uma política de não ter nenhum caso de covid.

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Fonte: BBC