Decerto Bolsonaro não vale um pequi roído. Pô, coitado do pequi. Nenhum alimento –ou resto de alimento– merece tal injúria.

Eu poderia passar o dia associando esse indivíduo a coisas de pouco ou nenhum valor.

Bolsonaro não vale um pão amanhecido, um queijo bolorento, uma goiaba cheia de bigatos, meio quilo de arroz carunchado.

Um piruá de pipoca seria melhor presidente. Ou o feijão que queimou no fundo da panela. O bife de fígado do bandejão universitário faria mais pelo país.

O sujeito perde para qualquer pastel oleoso. Não tem vez com o ovo cor-de-rosa da estufa do boteco. Fica muito atrás do torresmo peludo, encharcado, murcho e frio que passou o dia todo à espera, em vão, de quem o comesse.

Manteiga rançosa, jaca passada, maçã farinhenta, frango cru, ovo podre, macarrão molenga, iogurte vencido, pamonha azeda, bolacha murcha. Tudo isso tem mais valor.

Xingar Bolsonaro traz um pouco de alívio no moroso escorrer dos dias pandêmicos. É catarse garantida. É um impulso irresistível.

Pena que não sirva para nada.

Arrolar adjetivos desabonadores para o abutre que se aninhou no Planalto é tão útil quanto o tal do pequi roído.

Porque, ao vomitar impropérios –coisa que eu faço noite e dia, não consigo evitar–, você avança para o terreno adversário. Bolsonaro nada de braçada nessas águas. Não há como afundá-lo assim.

Bolsonaro é o bully da escola, o valentão tapado que intimida todo mundo e rouba o lanche das crianças vacilantes.

Seu repertório de ofensas: “maricas”, “homossexual”, “mimimi”, “a tua mãe”, “enfia no rabo”, “estrume”. Pequenas variações sobre homofobia, misoginia e escatologia.

O auge criativo foi atingido na infame reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando alegou que os adversários cobiçavam “a nossa hemorroida”. Suscitar tal imagem mental deveria ser crime de responsabilidade.

Não adianta atacar o rei do “baixo carlão” com ultrajes pinçados do dicionário. O bully está pouco se lixando para o seu vasto vocabulário; ele é capaz de achar que labrusco é um tipo de vinho.

O valentão se sente saciado quando percebe que incomoda, fere, intimida. Xingar de volta equivale a passar recibo de que o golpe foi sentido. Isso dá prazer para o burraldo machão.

Então, como derrotar o ferrabrás? É preciso inverter o medo. Bolsonaro é quem deve temer a população revoltada, não o contrário.

Não disse que seria fácil. Fica mil vezes mais complicado por causa da maldita peste lá fora.

Desconfio que não consigamos anular Bolsonaro trancados em nossos apartamentos, vociferando no Twitter ou numa coluna do jornal.

Sair às ruas é um risco enorme –além de dar munição moral à claque do assassino–, mas temo que haja outro risco muito maior. Se deixarmos Bolsonaro prosseguir com seu plano, morreremos de qualquer jeito.

Se o Brasil estrebuchar no sofá enquanto o genocida faz piada, nós é que não valemos um pequi roído.

(Siga e curta a Cozinha Bruta nas redes sociais.  Acompanhe os posts do Instagram, do Facebook  e do Twitter.)

Fonte: Folha de S.Paulo