A quatro meses das tradicionais festas de fim de ano, e com cerca de 100 milhões de brasileiros vacinados com a primeira dose contra a Covid-19, turistas começam a sonhar e se perguntam se vai haver uma forma segura de viajar no Natal e no ano novo.

Ou mesmo se é possível programar algo assim em meio a uma pandemia que já matou mais de 550 mil brasileiros.

Os sinais externos dão uma dose extra de coragem aos planos. Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, já anunciaram comemorações de Réveillon para 2021, baseadas no avanço da vacinação no Brasil —grande parte dos estados planeja imunizar a população com 18 anos ou mais até setembro, concluindo a segunda dose em dezembro.

E, como realizar uma viagem requer planejamento, há quem já tenha dado início às pesquisas de destino, itinerário e valores, mas siga preocupado por conta do aparecimento de novas variantes.

A virada do ano da diretora de cinema Tays Perez, 27, tem chances de acontecer, ao lado de amigos, em uma pousada ou hotel no litoral baiano, em Cairu. Porém, por medo de uma piora nos números de infectados, Tays, que mora em São, Paulo, ainda não bateu o martelo.

“Eu vou me vacinar nesta semana, então até lá estarei com as duas doses. Todos meus amigos, também. As reservas, no entanto, só serão feitas mais para frente”, explica a diretora. “Tenho receio de a situação piorar com a chegada dessas novas variantes. Se o cenário estiver como está hoje, com número de casos e mortes em alta, eu não vou, está decidido.”

O medo de Tays tem justificativa. A variante delta, inicialmente encontrada na Índia, elevou em 80% o número global de casos de Covid-19 nas últimas quatro semanas. Este cenário fez com que alguns países voltassem atrás no relaxamento de medidas restritivas.

No Brasil, a delta ainda não é predominante, mas especialistas acreditam que a variante se espalhará pelo país dentro de algumas semanas. O médico Drauzio Varella, colunista da Folha, explica que mutações no coronavírus o tornam ainda mais transmissível, o que poderia causar piora na situação no Brasil.

“Nos Estados Unidos, o número de internados está aumentando por conta da nova variante delta. Eles esperam um pico de casos em setembro. Aqui, se continuarmos tendo uma taxa de transmissão alta, teremos o pico em outubro”, aponta Drauzio.

“É preocupante, pois as vacinas só são eficazes contra essa variante com as duas doses aplicadas, e temos pouco mais de 20% da população brasileira totalmente vacinada. É muito pouco.”

Mas, ainda que a preocupação e os cuidados devam prevalecer, há esperança para os turistas. Isso porque, quanto mais rápido acontecer a vacinação no Brasil, explica Drauzio, mais rápido será possível voltar à normalidade.

“Tudo pode mudar, mas eu acredito que as pessoas vão poder programar uma viagem para o fim do ano. O que não vai mudar são os cuidados necessários, como distanciamento e máscara, sempre optando por lugares abertos e sem aglomeração. Mesmo vacinadas, as pessoas podem transmitir o vírus e pegar a doença de forma leve. Então, ainda não acabou, e os cuidados devem continuar”, completa.

A jornalista paulistana Marcela Casagrande, 33, optou por uma forma mais segura de viagem. Moradora do Rio de Janeiro, ela já fechou uma viagem com os amigos no final do ano para Salvador (BA). E, mesmo estando em uma capital, a escolha foi por alugar uma casa mais isolada do centro.

A prefeitura da cidade baiana já anunciou que as comemorações do réveillon serão feitas apenas com a cidade 100% vacinada —mas festas não são o foco de Marcela e seus amigos.

“Não custa sonhar. Estamos nos preparando, mas sabendo que não vamos deixar de lado os protocolos de segurança. A vacinação está avançada e todos meus amigos estarão imunizados com as duas doses. Mas, uma coisa que sabemos é: vamos optar por lugares abertos e não aglomerar”, planeja.

O médico sanitarista e ex-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) Gonzalo Vecina afirma que o principal problema de uma viagem nas condições atuais é a aglomeração. O especialista sugere que os viajantes escolham lugares mais abertos e sempre utilizem máscaras.

“A gente tem bastante dificuldade de saber como as variantes vão se comportar. Até agora elas têm respeitado as vacinas, mas isso pode mudar logo. Então, os cuidados devem continuar se queremos voltar para a normalidade”, diz.

Vecina compartilha, ainda, algumas outras dicas aos viajantes. “Se for ficar em hotel ou hostel, ideal que o local siga todos os protocolos de segurança. Em uma viagem entre amigos para uma casa, é essencial que todos estejam vacinados. E, no transporte, optar por meios individuais”, lista.

Nas viagens de avião, o fundamental é desviar da aglomeração nos aeroportos e na entrada e saída das aeronaves, de acordo com o médico.

“O avião tem um sistema de circulação de ar que é individualizado, feito por fileiras. Eles possuem filtros absolutos que não reciclam o ar. Isso é muito positivo e mais seguro que ônibus, por exemplo. Mas, temos a questão do antes e depois, então, o indicado é utilizar máscaras adequadas e manter o máximo distanciamento possível”, aconselha.

O transporte foi fator essencial para que a advogada Marcela Amaral, 26, optasse por um local ao qual possa chegar de carro no Réveillon. Moradora da capital paulista, ela e as amigas alugaram uma casa em Paraty (RJ), na praia de Paraty Mirim, local afastado do centro histórico.

“Escolhemos essa praia porque é bem vazia e dá para ir de carro. Estaremos todas vacinadas. Existe outra praia por perto em que provavelmente terá uma festa. Mas, essa decisão nós só vamos tomar lá, levando em conta o cenário da pandemia e os protocolos de segurança”, ressalta.

A consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia e professora da Unicamp Raquel Stucchi acredita que festas e baladas de fim de ano ainda não serão seguras, mesmo com a maior parte da população vacinada.

A médica indica um luau como alternativa. “Não é isento de riscos, mas é mais seguro que lugares fechados”, acredita.

A infectologista aconselha, ainda, que todos os viajantes façam testes antes de viajar, mesmo que os planos envolvam apenas amigos. A medida não é 100% segura, explica Stucchi, pois pode haver falsos positivos, mas, ainda assim, vale a pena porque pode auxiliar no combate à transmissão do coronavírus.

“Mesmo com o teste negativo, se aparecer qualquer sintoma, não viaje”, ensina a médica. “E, durante a viagem, se esses sintomas surgirem, o teste precisa ser feito imediatamente. Caso dê positivo, épreciso se manter em isolamento.”

Fonte: Folha de S.Paulo