Nos começos da pandemia eu escrevi sobre como poderiam mudar as viagens quando elas voltassem a acontecer.

​Estava preocupado que se usasse o pretexto da saúde pública para a adoção de medidas excessivas de controle —como a implantação de chips em nossos corpos, que, além de armazenarem informações sobre saúde, aproveitassem para fazer um monitoramento de nossos movimentos e nossas vidas.

Tal distopia ainda não está descartada. Mas parece que dessa vez ainda não deu tempo para tamanha maquinação: os esforços de busca de uma vacina contra a Covid-19 estão concentrando as atenções e limitando o maquiavelismo das autoridades.

O que me dá tempo para pensar em outras decorrências possíveis da tragédia, enquanto começa esta lenta volta aos deslocamentos de turistas.

A tendência mais óbvia é a das pessoas voltarem a viajar movidas pela sofreguidão motivada pela longa abstinência: a urgência de ir a todos os lugares, ver ou rever tudo com a maior presteza, tirar o atraso.

Já no meu caso, o desejo vai um pouco no sentido contrário. Será que, ao planejarmos os próximos movimentos, deveríamos nos entregar ao ímpeto de abraçar o mundo? Ou vamos com calma, na contramão da ansiedade que este momento de exceção nos provocou?

Acho que o momento é de repensar a forma como o turismo vinha se movimentando nas últimas décadas.

A democratização dos meios de transporte, o encurtamento das distâncias, vinham levando a uma certa vulgarização do turismo, motivado por lugares-comuns e pela pressa. Quanto mais destinos ticar, melhor.

É curioso que eu, um viajante profissional, procure (nem sempre com sucesso) ver os passeios de forma mais blasé. Várias vezes me perguntam quantos países conheço, quantas viagens fiz no último ano, quantas horas tenho de voo e não faço ideia. Não fico registrando como se tivesse uma planilha a cumprir.

Creio que é porque no íntimo sou o oposto disso. Adoro conhecer lugares e rever aqueles de que gostei.

Mas confesso que sou preguiçoso. Sou bom mesmo é em ficar parado, contemplativo, mais do que correndo para cumprir metas imaginárias (as reais, então, nem me fale).

Meu ideal de destino turístico é aquele chavão do café parisiense. Aquele onde você fica horas sentado, bebendo, lendo, observando. Sentar numa mesinha na calçada do Les Deux Magots, imaginando Sartre e Beauvoir filosofando na mesa ao lado, olhar perdido sobre a milenar igreja de Saint-Germain-des-Prés e sobre os passantes do bulevar ao lado…

A gente descobre que todos os bares são tão iguais quanto diferentes: a bebida, os copos, o humor do garçom, a paisagem humana, tudo tem detalhes que nos remetem àquele lugar específico.

Um calvados sorvido com um expresso num café em Paris é diferente de um arak depois do chá num café de Istambul.

Como o cheiro do metrô de São Paulo é, mesmo às cegas, diferente daquele do metrô de Londres.

Aquele frenesi turístico de conhecer cinco cidades em uma semana, trocar de hotel mais do que de camisa, não ter tempo nem de aprender “obrigado” na língua local me angustia.

Claro, desconfiem do meu lugar de fala: quem sou eu para pregar slow travel, já que vivo o oposto disso?

Pois hoje minhas viagens são principalmente de trabalho, quando a rotina não deixa tempo para contemplação, ao contrário: entre um hotel e outro, desabo de um longo almoço que acaba tarde para um jantar que começa cedo e será igualmente longo. O que eu não daria por uma sesta no intervalo…

Nos meses de quarentena, a desaceleração dos deslocamentos poderia inspirar um outro tipo de turismo.

Ficar quieto ouvindo e observando pode nos ensinar a melhor fruir nossos destinos —e quem sabe, ajuda a descansar nas férias (que às vezes cansam mais do que relaxam).

Mas, no fundo, não que eu ache que é isso o que vai acontecer. O mais provável é que tudo volte ao que era antes. E que das muitas lições que temos tido tiremos pouco aprendizado.

Espero que alguns cuidados sanitários se mantenham, para o bem da saúde pública. Mas a maioria dos hábitos —inclusive aqueles de consumir viagens como quem se empanturra de fast-food (no lugar de sorvê-las como a um vinho raro)— devem voltar.

Espero estar errado, porém.

Fonte: Folha de S.Paulo