Carnaval não combina com comida. Alimentar-se é só uma necessidade fisiológica nos dias em que os blocos arrastam a galera da purpurina.

Como é impossível não falar de Carnaval, deixemos a comida de lado nesta semana. Falemos de bebida.

Pelas banhas flácidas do Rei Momo, como se bebe porcaria no Carnaval! Comparada aos venenos desta temporada, a catuaba de folias passadas é champanhe.

Não que degustássemos bebidas finas nos Carnavais do século passado. Quem corre atrás do trio elétrico é jovem, e jovem faz escolhas que poupam o bolso para detonar o fígado.

Teve um ano em que acampei –não recomendo– com amigos em Laguna, no litoral de Santa Catarina. Começamos com os dois pés esquerdos ao abrir uma garrafa de Old Eight antes de montar a barraca. Ela permaneceu torta até a hora de viajar de volta.

Um dos amigos havia afanado um uísque pretensamente escocês do pai –que não era muito chegado na manguaça, mas ganhava várias garrafas de seus clientes.

Ele abriu o “scotch”, que foi passando de bico em bico. Do alto de nossos 19 anos de idade, todos percebemos que se tratava do mais puro néctar de Puerto Stroessner.

O dono da birita se ofendeu e foi beber tudo sozinho. No dia seguinte, precisou se medicar com um farmacêutico que tinha a seringa na mão direita e, na esquerda, um copo americano cheio de cachaça.

Se hoje a garotada se entope de químicas pesadas, a gente consumia as frutas da estação. Lembro de um Carnaval em Ilhabela, quando comprávamos batida de abacaxi pelo litro no bar Borrachudo. Era beber e devolver o líquido à natureza, agachado no píer sobre o canal de São Sebastião.

Falando nisso, os corantes da indústria do mé deram origem ao “gorfo” de unicórnio, com todos os tons do arco-íris. “Seu amigo acabou de vomitar um bagulho azul, não é melhor levá-lo para o hospital?” “Relaxa, é só Corote.”

Normalizaram o Corote. O Brasil está tão zoado que fascismo e bebida de alcoólatra terminal se tornaram coisas banais.

Corote, para quem não conhece, é uma caninha industrial vendida em garrafinhas pet com formato de barril. De tão barata, virou a bebida oficial dos moradores de rua. Foi descoberta pelos jovens festivos e se multiplicou em sabores e cores. Azul para blueberry (mirtilo). Rosa para tutti-frutti.

Hoje, o Corote já não habita o rés do chão dos gorós. Seu sucesso fez surgir imitações ainda mais baratas.

No Carnaval passado, fui convidado pelo UOL para provar algumas dessas fórmulas infernais. Um genérico de Corote verde, com gosto de dropes de menta. Catuaba sabor piña colada –coco e abacaxi. Um coquetel alcoólico de “frutas roxas”, eufemismo para vinho químico.

O pior de todos se chamava Pedacinho do Céu. Era azul leitoso, turvo, com a exata aparência de amaciante de roupa. Na boca, caramelo de leite com notas de metanol.

Alguém me devolva o Corote de mirtilo, por favor.

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Fonte: Folha de S.Paulo