A figura rechonchuda de Erick Jacquin ilustra as embalagens de uma marca de rações gourmet para cães e gatos. Chef e jurado do programa “MasterChef Brasil”, o francês também assina a fórmula (receita?) do produto –impossível saber a extensão real de sua participação.

Os sabores frango, carne e peixe da ração seca são chamados, respectivamente, de “poulet”, “viande” e “poisson”.

Para proporcionar uma experiência gastronômica completa, há ainda uma espécie de molho que modifica a textura e acrescenta complexidade aromática. Batizado de “tompero”, ele vem nas versões salmão à carbonara, foie agridoce e champignon com azeite trufado.

Diz o site do fabricante: “Somos uma empresa inovadora, disruptiva, que incorpora um conceito óbvio de que os pets, assim como os humanos, têm suas predileções gustativas e olfativas e, por vontade própria, não optariam pela monotonia alimentar”.

Cães e gatos não foram ouvidos sobre sua massacrante rotina. Mas parece haver espaço para tal produto no mercado de luxo.

Em outra reentrância obscura do mesmo mercado, encontramos a demanda de seres humanos que, parafraseando o produtor de “raçón gourmet”, querem optar pela monotonia alimentar.

Uma empresa paulistana vende de um pó que, misturado com água, supostamente substitui as refeições.

Tchau, pizza. Tchau, churrasco. Tchau, feijão, arroz, frutas, legumes, queijos, doces, salada, açaí na tigela, churros gourmet, pastel, moqueca e rabada. De agora em diante, é só pó. Pó no desjejum, pó no almoço e pó no jantar.

A busca de uma ração humana aparece de tempos em tempos porque existe uma parcela da população que simplesmente não gosta de comer. Não falo de gente avessa às tarefas da cozinha, falo de pessoas que se aborrecem por perder alguns minutos na mastigação de meia dúzia de bolachas.

São workaholics, marombeiros e outros espécimes que põem a alimentação lá embaixo na sua lista de prioridades. A ração brasileira tem inspiração explícita no Soylent –ração de gente criada no Vale do Silício, que se fez sucesso enorme com a galera anti-almoço.

Alguns anos atrás, aqui mesmo, lojas naturebas e de suplementos vendiam uma mistura de cereais batizada de ração humana. Assim mesmo, com todas as letras, sem aspas nem pudor de cometer estelionato –pois era um suplemento, não um substituto da comida.

Pegada semelhante tinha a farinata, fórmula de reforço alimentar que o governadória de São Paulo, quando prefeito da capital, sonhou implementar na merenda das escolas. Recuou depois de levar porrada de todos os lados.

Não há em quem bater quando o público-alvo é adulto e pagante. Por pagante, entenda alguém disposto a desembolsar R$ 25 –bem mais do que um prato-feito no capricho—pelo pó nos sabores cappuccino, chocolate e tomate com manjericão.

Sem entrar no mérito da nutrição, a receita animal do Jacquin parece mais apetitosa. Os bichanos que lutem para esconder a ração gourmet dos seus donos!

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Fonte: Folha de S.Paulo