Fez muito barulho a assinatura, pelo presidente Jair Bolsonaro, do decreto 9902 –a gritaria se deveu à supressão, na fabricação da cerveja, do limite da adição de milho e de outros cereais supostamente menos nobres do que a cevada maltada.

A imprensa saiu berrando porque conhece superficialmente o negócio cervejeiro, e a questão “puro malte” versus “cerveja de milho” virou assunto de botequim –de forma duplamente literal– nos últimos anos.

O entusiasmo da mesa de bar não compensa a falta de conhecimento específico. O texto do decreto atende a demandas antigas do setor. É uma raríssima convergência de interesses da indústria monstra e dos produtores menores –os autoproclamados artesanais.

Até o Bolsopresidente, figura que eu adoro detestar, é inocente no caso. Sua participação se limitou a autografar o documento.

Em resumo, o setor cervejeiro se queixava das amarras da legislação. Mel não podia na cerveja nacional –ingredientes de origem animal obrigavam a indústria a rotular o produto como “bebida alcoólica mista”. As cervejas importadas, contudo, já chegavam rotuladas da origem. Tivessem mel, leite, presunto, formiga ou bicho-de-pé.

Não cabe à Presidência da República legislar sobre a composição da cerveja. Por isso, o texto vago e genérico do decreto (tiny.cc/gd2m9y) foi celebrado por todos –ou quase todos– no meio da cerveja. As minúcias normativas devem ficar por conta de órgãos técnicos especializados.

Ou assim deveria ser. No Brasil, nunca se sabe.

De qualquer modo, o problema da cerveja não é o milho nem o arroz.

Que venha a cerveja 100% milho. A cerveja de risoto. De batata frita.

O problema da cerveja é a frouxidão e as idiossincrasias nas regras que definem a rotulagem.

Tal cerveja é “extra”. Que diabo é isso? Diz a lei: “Na cerveja extra o teor de carboidrato (açúcar) não poderá exceder a dez por cento do extrato primitivo.”

Excelente. Mas o que é “extrato primitivo”? Então…

Em compensação, vá tentar saber o que realmente existe na cerveja que você compra. A lista de ingredientes da Skol, fabricada pela Ambev, diz: “água, malte, cereais não-maltados, lúpulo e estabilizante INS 405”

Cereais não-maltados podem ser milho, arroz, aveia, quinoa, trigo para quibe, alpiste ou painço. Em que proporção eles entram?

Já a Schin, produzida pela Kirin (Heineken) acrescenta carboidratos e antioxidante INS 216 à receita. Carboidratos, gente. Pode ser simplesmente açúcar. Ou algum xarope que fermenta que é uma maravilha, mas não deixa a cerveja pesada.

Com os rótulos que a gente tem hoje, ninguém sabe de fato o que está bebendo na cerveja.

Que venha a cerveja de bosta, desde que a quantidade de bosta esteja detalhada na embalagem. Aposto que muita gente vai gostar.

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Fonte: Folha de S.Paulo