Você está lendo uma coluna sobre turismo. Talvez para conferir algo que você já saiba, comparar impressões ou se inspirar. No papel ou numa tela, provavelmente passou por outros textos sobre possíveis destinos. Você gosta do assunto, certo? Então, você é um turista. Aliás, como eu. 

Isso posto, trago então a dura revelação: nós incomodamos muita gente. Não viajamos para isso, claro. No fundo das nossas boas intenções, quando planejamos conhecer (ou revisitar) algum lugar, queremos aprender mais, conhecer pessoas, novas culturas e, tudo bem, fazer uma comprinha. E partimos com isso no coração, não é mesmo?

Viajamos na paz, tentando respeitar os hábitos e os costumes estranhos que vamos encontrar, não ser invasivos, aprender mais do que ensinar. 

Nos esforçamos para deixar poucos rastros e voltar para casa com histórias de revelações e descobertas, em torno de generosas trocas de conhecimento. Ah, se tudo fosse assim tão simples!

Como naquele meme em que a pessoa exibe uma bela figura nas redes sociais, mas se apresenta bem aquém disso num encontro real, a experiência de viajar, hoje em dia, está longe desse ideal. 

Grupos cada vez mais indiferentes ao que possa modificá-los, num confronto com o novo, riscam o mundo apenas colecionando selfies em frente a monumentos onde desfilam indiferença. São apenas cenários desfocados de uma autocelebração. Eu vim aqui!

Pior, deixamos vestígios indesejáveis. Já me indignei, por exemplo, com os ônibus de chineses trazendo algazarra aos templos de Angkor, no Camboja; com os mochileiros desavisados poluindo o Atacama, no Chile; com os “hermanos” que invadem nosso litoral; com os adolescentes europeus recém-virados da balada vagando desnorteados pelo parque Guell, em Barcelona.

A imagem desse último grupo veio bem forte recentemente, quando li um artigo na revista The New Yorker com o título “Airbnb chegou” (minha tradução). Nele, Rebecca Mead descreve de maneira brilhante o incômodo e o subsequente ódio que os milhões de turistas impõem aos moradores da cidade que invadem — no caso, Barcelona.

Mead apurou que o belíssimo parque concebido pelo empresário catalão Eusebi Guell —com um projeto do genial arquiteto Antoni Gaudí— chegou à marca de 9 milhões de visitantes por ano em 2013. Isso, só lembrando, numa cidade com pouco mais de 1,5 milhão de habitantes! 

Preocupadas com a visível deterioração do patrimônio, as autoridades municipais passaram a cobrar ingressos e limitar o número de pessoas que poderiam entrar lá por hora.

O número caiu para 2,3 milhões de visitantes por ano, mas mesmo assim… 

E aí veio o Airbnb e bagunçou tudo mais ainda, “explodindo” o número de possibilidades de hospedagem e supostamente escancarando os portões do bairro Gótico (e arredores) para a invasão dos bárbaros. Sim, nós!

O fenômeno não é exclusividade de Barcelona. Além dos lugares que citei acima, vemos “assaltos turísticos” similares  em várias partes do mundo: em Ubud, Bali; nos mercados flutuantes de Bancoc; na Fontana di Trevi, em Roma; em Jericoacoara, no Ceará; às margens do mar Morto, na Jordânia; na vida noturna da Cidade do Cabo, na África do Sul; nos canais de Amsterdã (onde estive recentemente). Pretendo me debruçar mais sobre aquelas águas no nosso próximo encontro aqui.

E o que procuram esses turistas? Como Mead colocou muito bem, um pouco da “vida local”, só que não o aspecto pacato dela, mas o cotidiano de alguém que só sai para beber e aprontar sem nenhuma responsabilidade com a (má) impressão que vai deixar.

O que faz com que as pessoas que moram nos lugares que gostamos de visitar nos odeiem. E, quanto mais vejo isso pelo mundo, menos consigo me (nos) defender. Ou mudamos o jeito como viajamos  ou, no lugar de cartazes dizendo “bem-vindos” num novo aeroporto, corremos o risco de ver um pôster de uma família fazendo pose, celulares na mão, com uma mensagem bem diferente: “Volte para o seu lar”.

Fonte: Folha de S.Paulo