“Ai que saudade que eu sinto das noites de São João, das noites tão brasileiras nas fogueiras, sob o luar do Sertão.” As palavras cantadas por Luiz Gonzaga em 1954 nunca fizeram tanto sentido. O Rei do Baião, que morreu em 1989, nem imaginava que o interior nordestino ficaria dois anos sem suas tradicionais festas juninas devido à pandemia de Covid-19.

Além de afetar o coração dos forrozeiros, o cancelamento da maior festa popular do interior impacta diretamente a economia local, que só em Petrolina (PE) deixa de movimentar mais de R$ 230 milhões por ano.

O novo pátio de eventos da cidade não vai receber as 700 mil pessoas aguardadas para a inauguração. O município sede de um dos maiores “arraiás” do Nordeste investiu quase R$ 3 milhões na obra, valor usado apenas na demolição de um antigo mercado público e em obras de infraestrutura, como asfalto e instalação de postes.

Concluído ainda no primeiro ano de pandemia, o pátio não sentiu o “arrastado da chinela”, já que parte dele acabou sendo aproveitado para organizar a grande fila do auxílio emergencial da sua vizinha, uma agência da Caixa Econômica Federal, que demarcou o piso com setas pedindo distanciamento social.

Quem seria vista no local é a advogada Ana Luiza Gonçalves, 25, frequentadora assídua do São João de Petrolina e que, embora tenha nascido durante o Carnaval, diz ter coração junino.

“É muito triste não ter São João novamente, mas é por um bem maior. Infelizmente, ainda estamos na pandemia e precisamos nos preservar para ano que vem estarmos juntos no pátio comemorando a melhor época”, afirmou.

A situação complica ainda mais para quem depende do evento como geração de renda, sem seus 18 mil postos de trabalho diretos e indiretos. Esta quarta-feira (23) seria um dia com leitos lotados na rede hoteleira, entre turistas e profissionais envolvidos com o festejo.

Leandro Santos, gerente de um dos hotéis mais tradicionais da cidade, disse que nunca houve “impacto tão grande nos negócios” e que, dos 52 apartamentos, somente 30% estão ocupados.

Antes da pandemia, a previsão era arrecadar em junho R$ 280 mil, mas o montante do mês não deve chegar a R$ 140 mil.

Os instrumentos, que antes não tinham descanso, têm ficado a maior parte do tempo em silêncio. Há 10 anos como vocalista de uma das maiores bandas de forró, a Limão com Mel, Diego Rafael afirmou lamentar a situação.

O grupo emprega cerca de 30 pessoas e chegava a fazer 32 shows em junho, enquanto neste ano tem apenas duas lives na agenda.

“Passar o segundo ano sem subir ao palco, sem sentir o carinho e a energia do público, deixa aberto um vazio”, disse.

Na capital baiana do forró, Senhor do Bonfim, 2021 será mais um ano sem as alvoradas que fazem o fole da sanfona roncar logo cedo. Na cidade, que chega a receber 50 mil turistas, uma festa particular deixou de vender, em média, 15 mil ingressos diários.

Cerca de 1,5 milhão de pessoas deixaram de viajar para o interior da Bahia neste São João, de acordo com estimativa da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia.

“Bonfim está magoado”, conta Zenaide Silva do Nascimento, 70, chamada por todos de “Mamãe”. Ela produz anualmente mais de 2.400 litros de licor, bebida tradicional da época.

Nesta quarta, véspera de São João, ela está “nos corres”, como se diz na Bahia. “Apesar de não ter São João, o pessoal fez forró dentro de casa e comprou muito. Se tivesse festa, eu ainda teria força para fazer mais”, disse, rindo.

Mesmo com a tragédia das mais 500 mil vidas perdidas na pandemia, a vacinação, ainda que lenta, parece renovar as esperanças dos moradores.

“Tenho esperança em Deus que passe essa pandemia e tudo melhore. Vai ser muito bom, todo mundo vai ficar alegre”, afirmou José Vieira da Silva, 70, sanfoneiro bonfinense que, mesmo com mais de 50 anos de carreira, continua esperando ansioso pelo mês de junho.

Agora, o desejo é que o de 2022 seja com muita fogueira nas ruas e arrasta-pé nos salões.

Fonte: Folha de S.Paulo