Este texto foi escrito por Carlos Monteiro, professor do departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, especialmente para a campanha #CientistaTrabalhando. A ação celebra o Dia Nacional da Ciência, em 8 de julho. Ao longo do mês, colunistas cederam seus espaços para abordar temas relacionados ao processo científico.

Carlos Monteiro

Um vídeo já antigo do humorístico “Porta dos Fundos” critica uma situação comum na divulgação científica de estudos na área da nutrição. Em uma consulta com uma nutricionista, a paciente fica confusa com a dieta indicada para ela: em um primeiro momento, comer ovo faz bem. Segundos depois, uma notificação no celular da profissional atualiza a questão, e coloca o ovo na lista dos proibidos. Mais alguns segundos e o ovo está liberado. Afora o fino e ácido humor do canal, a esquete mostra a dificuldade inerente ao processo científico quando a tarefa é estudar a relação da alimentação com a saúde.

O desafio começa pelo fato de que as pessoas não consomem alimentos um a um, mas combinados. E essas combinações dependem da cultura alimentar a que pertencem. Entre anglo-saxões, é comum que ovos (dois ou mais) sejam consumidos na refeição da manhã com fatias de bacon, enquanto, entre nós, é mais comum que o ovo (neste caso, frequentemente uma unidade) seja a mistura do feijão com arroz, substituindo provavelmente a carne.

Assim, é bem provável que estudos sobre o “efeito do ovo” na saúde cheguem a diferentes conclusões, dependendo do país ou da cultura alimentar onde forem realizados. No Brasil, a análise provavelmente investigaria o efeito sobre a saúde do consumo de ovos mais o efeito do consumo de feijão com arroz mais o efeito de comer menos carne. Nos EUA, o efeito de comer ovos mais o efeito de comer bacon e, talvez, o efeito de não comer frutas na refeição da manhã. De fato, nenhum desses estudos investigaria o ‘efeito do ovo’ sobre a saúde, mas o efeito de diferentes padrões alimentares.

Por isso, a pesquisa científica sobre a relação entre alimentação e saúde mais e mais tem investigado o efeito de padrões alimentares sobre o risco de doenças. E, neste caso, os resultados dos estudos não são nada controversos. Exemplos disso são as pesquisas que comprovaram a diminuição de doenças do coração entre europeus que seguiam o padrão ‘dieta mediterrânea’ ou o aumento generalizado de doenças crônicas entre americanos que seguiam o padrão ‘dieta ocidental’.

E, no Brasil, quais seriam os padrões alimentares que protegeriam as pessoas da obesidade, do diabetes, de doenças do coração, do câncer e quais operariam em sentido inverso? Essas são as perguntas que o estudo NutriNet Brasil pretende responder. Coordenado por cientistas do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP, o estudo irá acompanhar online, por uma década, os hábitos alimentares e o estado de saúde de 200 mil pessoas de todas as regiões do país (75 mil já estão sendo acompanhadas).

Para participar do NutriNet Brasil, basta residir no país, ter mais de 18 anos, fazer um cadastro na plataforma www.nutrinetbrasil.fsp.usp.br e responder breves questionários a cada três meses. Participar dessa pesquisa é contribuir para promover a saúde dos brasileiros e, quem sabe, até para esclarecer de vez o famoso problema do ovo!

Fonte: Folha de S.Paulo