Costumo entrar no avião cheio de ambições. Sonho em aproveitar aquele tempo da forma mais produtiva possível —isso inclui descanso e distração também, junto com trabalho.

Ao sentar, saco da mochila o laptop, o livro do momento, sem falar do jornal ou da revista (em papel ou tela) além de textos vários armazenados no computador e no celular.

Claro que ao final do voo, parte desses apetrechos terão recebido o mesmo destino dos tênis com os quais insisto em fazer peso na mala: intocados.

Na longa viagem em que escrevo esta coluna (o livro continua fechado, cobrando minha atenção), sendo já a segunda perna de um voo para o Oriente, e já zonzo pelo desconforto e pelo fuso horário, num certo momento ficou difícil a concentração. Peguei então algo dispensável, perfeitamente esquecível sem qualquer prejuízo posterior, apenas para passar o tempo: a revista de compras a bordo da Cathay Pacific.

Não digo que seja algo universalmente desprezível —sempre há gente nos aviões comprando algo. Deve render uma graninha para as marcas, para a companhia aérea, talvez até mesmo para o comprador, se tudo aquilo estiver mesmo com um precinho camarada e for um negócio da China (o que aqui seria apropriado, já que em poucas horas descerei numa escala em Hong Kong).

Mas não para mim, que nessa longa existência acima das nuvens não me lembro de jamais ter comprado algo. É um pouco o meu jeito, inclusive em terra firme. Não sou de comprar aleatoriamente. Quando preciso de algo, vou ali e compro exatamente aquilo. Devo ser o pior alvo para as empresas que vendem e as agências de propaganda que as ajudam.

Sendo assim, folhear aquele catálogo de incríveis 200 páginas tem para mim um sentido mais de curiosidade do que de investigação de novidades e ofertas. E posso dizer que todo aquele desfile de suposto luxo e glamour me pareceu meio decepcionante.

As seções são as previstas, mas por várias delas mal me detive, por falta de repertório e de interesse. O capítulo mais frondoso é o de beleza e perfumes, fórmulas mágicas para obter e manter sua fulgurante juventude —bom, tarde demais para mim. Outra seção desfila joias e relógios —aí, já é grana demais para mim. 

Há a seção de guloseimas e bebidas, que me atraiu mais; são, no entanto, ofertas de chocolates e de vinhos bastante previsíveis, nada de verdadeiramente dar água na boca. 

A novidade é que a Cathay tem um serviço de entrega em domicílio, sem custo —desde que sua casa seja em Hong Kong. Não é meu caso, mas ainda assim percorri com curiosidade as ofertas, que incluem itens de grande porte. Como adegas com duas zonas de temperatura, para 18 garrafas (US$ 357 ou R$ 1.352) ou 110 garrafas (US$ 1.499, R$ 5.552).

Na área de gastronomia há também lugar para gadgets, como o Coravin, que introduz uma agulha na rolha do vinho e injeta gás argônio enquanto a bebida escorre para sua taça (US$ 498, R$ 1.844). Ou o aparelho aerador elétrico e ajustável Vinaera, que promete reduzir a adstringência dos vinhos e revelar aromas dos destilados (US$ 177, R$ 655).

Mas é na seção de tecnologia que aparecem mais novidades para mim. Entre adaptadores de tomada universais e carregadores para celular, encontrei o eliminador bluetooth de roncos Beurer (US$ 175 ou R$ 648), espécie de plugue de ouvido que ouve seu ronco e te convence a mudar de posição.

Ali também achei o purificador de ar Airtamer (US$ 129, R$ 477), do tamanho de um celular, que você pendura no pescoço como um crachá enquanto ele produz uma esfera de um metro de ar limpo e saudável em torno de sua cabeça (será que repele chatos insalubres também?).

De repente lembrei-me de antigos catálogos americanos de venda por correspondência, que, acho, eram disponíveis nos voos e nas revistas de bordo de lá (existirão ainda?).

Em comparação, os catálogos de hoje vendem gadgets menos engraçados e malucos do que aqueles —produtos de camelô embalados em luxo. Se folheei a revista para me tirar do entorpecimento da longa viagem, não adiantou. A leitura só me entediou mais. E, como previsto, saí de mãos vazias.

Fonte: Folha de S.Paulo