Quando ocorre um crime tenebroso como a morte do menino Henry, é inevitável buscar entender o que se passa na cabeça do assassino. O que leva alguém a cruzar a linha da selvageria de forma tão violenta e covarde?

Mais ainda quando o suspeito exibe um verniz de cidadão exemplar, como era o caso do vereador Jairinho, autoproclamado doutor –não tem doutorado nem exerceu a medicina, então o título não lhe cabe.

Apesar de ter morado por seis meses, recentemente, no Rio, eu jamais tinha ouvido falar desse Jairinho. Atrás de peças que pudessem compor o perfil do acusado, fui pesquisar sua atividade parlamentar no site da Câmara Municipal carioca.

Antes, vi muita gente compartilhar nas redes uma montagem tosca de um suposto panfleto em que (o então candidato) Jairinho se alinha com as pautas mais reacionárias de Bolsonaro e sua gangue. Fake total. Pode ser até que ele concorde com o presidente, mas seu trabalho legislativo não aponta nessa direção belicosa.

A lei 6.384, de julho de 2018, é talvez o projeto mais conhecido de autoria de Jairinho. Ela obriga bares e restaurantes a fornecer canudos de papel biodegradável aos clientes.

Bares e restaurantes são a atividade que move a boêmia Lapa, no centro do Rio, bairro criado em maio de 2012 por Jairinho, em projeto coassinado por Marcelo Arar. Isso mesmo, parece que a Lapa só existe por força da caneta de Jairinho. Incrível que eu tenha frequentado o lugar muito antes disso, sem saber eu ele nem existia ainda!

O vereador parece demonstrar alguma preocupação com a saúde das crianças, vejam só, ao elaborar a lei 4.884, de julho de 2008. Ela proíbe que quermesses, feiras e assemelhados deem bebida alcoólica como prêmio ou brinde para menores de idade.

Como costuma ocorrer nas câmaras municipais, Jairinho trabalhava principalmente pelos interesses de sua base eleitoral –o bairro de Bangu, na zona oeste do Rio, onde ele foi criado.

O vereador emplacou não uma, mas duas leis (em 2019 e 2020) com o afã de criar polos gastronômicos em pontos distintos de Bangu.

No fim das contas, minha pesquisa mais confundiu do que esclareceu. Jairinho (ou sua persona pública) nunca demonstrou pistas de que fosse capaz de cometer a atrocidade que, tudo indica, cometeu.

Era só um político paroquial das lonjuras de Bangu –e é lá, no Complexo Penitenciário de Bangu, que ele vai degustar as criações gastronômicas do chef do xilindró.

Não, espera…

Acabo de ser informado que o aglomerado de prisões agora se chama Complexo Penitenciário de Gericinó. Desde 2004, devido a uma lei de autoria do então prefeito César Maia, o bairro de Gericinó não pertence mais a Bangu.

Bangu ou Gericinó, tanto faz, Jairinho agora está em casa.

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Fonte: Folha de S.Paulo