Falemos dos seres humanos e de seus hábitos alimentares. No que diz respeito à ingestão de proteína animal, a espécie pode ser catalogada nas quatro seguintes categorias: vegano, vegetariano, carnívoro e canibal.

O vegano é o mais restritivo. Rejeita, condena, abomina qualquer comida de origem animal. Não come mel, não bebe leite, pega a lupa para olhar o contrarrótulo da garrafa de vinho que pode ter sido clarificado (a palavra é clara) com albumina oriunda de ovos.

O rígido escrutínio do vegano não se restringe à dieta. Ele não usa roupas de seda –extraída do bicho-desse-material. Muitos se recusam a beijar a boca de um parceiro sexual perfeitamente transável, pois a mesma boca acabara de devorar um hambúrguer.

Quanto ao vegetariano, ele adequa o dilema moral às agruras do cotidiano. Em tese, ele não mastiga cadáveres de animais. Existem o ovovegetariano, o lactovegetariano e a simbiose dos dois, o pudimvegetariano.

No corre do dia a dia, o vegetariano costuma flexibilizar o regime. Surgem aí híbridos como o peixevegetariano e o linguiçavegetariano. Se o feijão tem toucinho boiando, ele pode separar uma colherada de caroços vegetarianamente corretos.

Refiro-me ao carnívoro por este termo, pois é assim que o chamam o vegetariano e, mais enfaticamente, o vegano. “Carnista” é outra nomenclatura empregada. Trata-se da pessoa que, além de vegetais, ovos, leite e mel, come animais abatidos especificamente para esse fim.

Por último, mas nem de longe menos importante, temos o canibal.

O canibal chama o pai de coxinha, a mãe de empadinha e come os dois com ketchup.

Não é à toa que o canibalismo –no contexto particular da humanidade, denominado antropofagia– alcança o píncaro da rejeição entre as coisas mais escrotas que um indivíduo possa perpetrar.

Se hoje você janta alguém, você abre jurisprudência para que amanhã alguém possa almoçar seus filhos. É o fim da picada da autodestruição. É abjeto. O canibalismo é um tabu universal, com diminutas exceções em sociedades tribais que ritualizam o negócio absurdamente.

Neste exato instante, tem um canibal no recinto.

Ele atenta contra a própria existência da espécie. Juntos, os outros três facilmente conseguiriam amarrá-lo. Mas está difícil chegar a um acordo.

O vegano detesta o canibal acima de tudo, mas detesta o carnívoro só um pouco abaixo disso e nutre profundo desdém pelo vegetariano flexível.

O vegetariano espera até o último segundo para se posicionar porque, afinal, timing é tudo. E julgamentos precipitados são… bem, precipitados.

O carnívoro toma cerveja com o canibal, dá risada e diz que o sujeito é um pândego. Acha o vegetariano e o vegano dois chatos de galocha. Jura pela mãe mortinha que o canibal só é canibal da boca para fora.

O canibal palita os dentes e arruma a mesa porque está quase na hora da janta.

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Fonte: Folha de S.Paulo

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