Na selvageria dos anos 1970, ovos eram armas de efeito moral. Quando algum garoto da classe fazia aniversário, não raro o resto da turma o presenteava com ovadas. A criança voltava para casa imunda, fedorenta e humilhada. Com a anuência da diretoria da escola.

Assim, parecia sensato o sentido que atribuí à palavra “ovação” ao ouvi-la pela primeira vez: apenas uma expressão legítima de descontento, na forma de ovos voadores. Se fulano foi ovacionado depois de um discurso, bem capaz que tenha falado besteira além da conta.

Essa interpretação infantil me veio por um átimo quando li que Jair Bolsonaro ganhou uma ovação dos empresários com quem jantou, em São Paulo, na quarta-feira (7).

Uma fração de segundo depois, os neurônios Tico e Teco refizeram a sinapse. Não, o presidente não levou ovada, mas uma salva de palmas eufóricas.

O que essa gente estava a ovacionar? Em que mundo eles vivem?

No mundo em que eu vivo, não há nada a aplaudir –e os ovos são preciosos demais para serem atirados com o risco de errar o alvo.

Aqui na esquina tem um açougue para ricos, que vende carne de gado japonês a mais de R$ 300 o quilo. Há quem compre, o açougueiro me falou.

Nos fins-de-semana, o açougue monta uma churrasqueira no estacionamento e vende grelhados para viagem –ou “take away”, modelo de negócio inovador e disruptivo.

A churrascada atrai todos os pedintes do bairro. Alguns domingos atrás, o açougue tinha quatro clientes com senha na mão e seis miseráveis à espera de uma linguiça na brasa.

Do outro lado da rua, o supermercado virou acampamento de famílias que abordam quem entra e imploram por leite ou pão. O centro da cidade tornou-se cenário de “Walking Dead”, com tipos semimortos revirando os sacos de lixo.

A fome está à solta, na companhia da peste. Nada merece nossas palmas.

Mas os empresários que foram jantar com Bolsonaro veem um cenário otimista nos perdigotos e impropérios presidenciais.

No castelo do chefão das brigadas particulares, reuniram-se ilustres representantes de vários setores da economia: banco, seguradora, mídia, infraestrutura, indústria farmacêutica, shopping center. Cada um com seu motivo para bajular o genocida que se apossou do poder.

Em sintonia com o presidente, todos querem relaxar os cuidados sanitários para garantir o fluxo de caixa e o direito de infectar os funcionários.

O ramo da alimentação, também presente ao jantar, não ousou servir suas esfihas de R$ 0,99 para tão distintos cavalheiros.

Aliás, nada se falou sobre o cardápio do tal jantar. Concordo que é irrelevante. Sabemos de que se alimentam as sanguessugas –qualquer criança de 8 anos deduz pelo nome do verme, que não traz a pegadinha semântica de “ovação”.

Parasitas morrem quando matam o hospedeiro, mas parasitas não pensam. As sanguessugas seguem comprando carne de 300 contos e estocando suas adegas, sem perceber que o oxigênio delas também vai acabar.

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Fonte: Folha de S.Paulo