Símbolo da floresta amazônica e animal exclusivo da região, o boto cor-de-rosa encontra-se “em perigo”, de acordo com a lista vermelha da IUCN (The International Union for Conservation of Nature).

De olho na proteção do maior golfinho de água doce do mundo, na tentativa de que ele não desapareça das águas brasileiras, foi lançado recentemente um estudo de longo prazo via parceria entre a ONG Sea Shepherd Brasil e o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).

Entre os empecilhos para a vida próspera da espécie está uma das atividades mais populares entre turistas que visitam a região da Amazônia: o nado com o boto. Embora apareça bem nas fotografias de viagem, a prática é responsável por uma grande lista de problemas, entre eles o aumento da agressividade dos animais e até injúrias físicas.

Além da exploração do animal como atração pelo turismo, também há registros da ação de pescadores que matam os botos para diminuir a competição por peixes, e o uso deles como isca na pesca ilegal de piracatinga. O principal predador da espécie, ao que tudo indica, é justamente o homem.

“Botos não são encontrados em nenhum outro lugar, o que já os torna vulneráveis, visto que, se forem extintos aqui, somem do planeta. Eles pertencem aos rios da bacia Amazônica e Orinoco, que se distribuem pelo Brasil, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Peru, Equador e Guiana”, explica Giselle Reis, coordenadora de Educação da ONG Sea Shepherd Brasil.

“Existem apenas cinco espécies de golfinhos de água doce no mundo, e todas estão ameaçadas”, completa.

Em relação à prática turística do nado, é possível definir como primeiro erro atrair o animal com comida.

O boto, ensinam os ambientalistas, não chega perto do turista porque quer fazer amizade —ele vem para pegar o peixe dado pelo guia.

E a busca por alimento fácil pode gerar estresse, mudar os hábitos naturais do local e até machucar o animal, caso seja agarrado para posar para uma selfie, por exemplo.

“Alimentar animais pode afetar toda a cadeia alimentar. Ao condicionar, ele deixa de caçar. E, quando se trata de um predador, como o boto, que se alimenta de peixes fracos e doentes, toda a saúde das populações de espécies e o equilíbrio do ecossistema é afetado”, explica Nathalie Gil, CEO da Sea Shepherd Brasil.

De acordo com João Almeida, gerente de vida silvestre da ONG Proteção Animal Mundial Brasil, o controle sobre o alimento dado também não é frequente. Sendo assim, ele pode não estar bom para o consumo, congelado ou até estragado.

“Os turistas entram [na água] com grupos de dez pessoas. O facilitador atrai o animal com o peixe para que o boto saia para fora. Nesse momento, turistas mais animados podem ir para cima do boto, para conseguir a melhor selfie. Animais acabam empurrados e abraçados, para isso”, descreve Almeida.

“Pior é quando o facilitador ajuda. Temos um relatório que mostra botos com cicatrizes por serem agarrados pela nadadeira, que serve como apoio. De tanto segurar, gera ferimentos no animal, que tem uma pele sensível”, relata o especialista.

Almeida conta que o nado com botos na Amazônia é considerado um passeio de “semi-cativeiro”, por condicionar os animais a hábitos que não são deles. “Trabalhamos para que as agências deixem de oferecer esse passeio e passem a promover somente o de observação, sem qualquer contato com o bicho.”

De acordo com a Amazonastur (Empresa Estadual de Turismo do Amazonas), o nado com boto é permitido e regulamentado pelo Cemaam (Conselho Estadual do Meio Ambiente do Amazonas). “Tem que haver distância mínima de 50 km entre os locais que exploram a atividade, além de, ao menos, três dias de descanso por semana para os animais. Eles só podem ter atividades em dois dias consecutivos, uma vez por semana”, diz o presidente da Amazonastur, Sérgio Litaiff Filho.

O número de turistas deve ser limitado, com permissão de oito grupos com até dez pessoas por dia, junto com um facilitador capacitado. Na alimentação, de acordo com a Amazonastur, é permitido ainda dar 1 kg de peixe por dia para cada boto, sendo o alimento fresco ou resfriado.

Bichos-preguiça e macacos escravos

Ambientalistas acreditam que fazer selfies com um animal selvagem a qualquer custo não se trata apenas de irresponsabilidade, mas também de alienação, dado que, nos bastidores daquela foto, muitas vezes está a crueldade do cativeiro.

Outro caso clássico é o do bicho-preguiça. Ao topar com o animal, lento, parecido com um bicho de pelúcia, e com seu “sorriso” na cara, o turista não resiste à foto.

Mas por trás de cada exemplar da espécie muitas vezes há um histórico de caça —muitos são retirados à força, ainda bebês, de suas famílias.

Como a mãe preguiça é extremamente protetora e agressiva, geralmente é morta para a captura do filhote, como revela um estudo sobre animais em cativeiro na Amazônia feito pela ONG Proteção Animal Mundial Brasil.

O levantamento encontrou, ainda, situações de maus-tratos. “Achamos bichos-preguiça que viviam dentro de caixas de isopor, só retirados para fotos quando os turistas chegavam. Mas claro que não contam isso para as pessoas. Um animal desses, que vive até 30 anos livre na natureza, morre em seis meses de cativeiro”, revela João Almeida.

O “sorriso” do animal, explica o protetor, é uma questão morfológica, e não um indício de felicidade. “O manejo para fazer foto é algo que o estressa muito, embora não demonstre.”

A alimentação do preguiça é muito específica. “Se feita de forma descontrolada, ele morre rápido por desnutrição.”

Primatas também são explorados no turismo. O macaco-de-cheiro, por exemplo, é usado como acessório para fotos enquanto posa no ombro dos turistas.

Para que isso aconteça, Almeida explica que o animal é mantido em cativeiro ou atraído constantemente com comida. “Já o macaco-aranha, maior e mais agressivo, fica preso acorrentado a árvores, para compor a paisagem, enquanto turistas fotografam.”

Mesmo quando animais são vistos soltos, sozinhos ou em bando, o problema está instalado. “Eles são intensivamente alimentados. Estão lá por causa do alimento e podem até ficar agressivos, caso não recebam. Isso sem contar as tranqueiras que são oferecidas, como salgadinhos e mais alimentos industrializados.”

De acordo com Sérgio Litaiff Filho, da Amazonastur, o órgão faz campanha para que turistas não alimentem, não tirem fotos nem encostem em animais selvagens.

“O manuseio de animais silvestres é ilegal, de acordo com a Lei de Crimes Ambientais. A normativa prevê penalidades que variam de três meses a um ano para quem pratica atos contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.”

Fonte: Folha de S.Paulo