“Esse é um guarda-chuva búlgaro; já ouviu falar?”, perguntou Agne Urbaityte, apontando para um guarda-chuva azul exposto em um mostruário de vidro. No topo dele, uma agulha era visível.


“O guarda-chuva é uma arma”, ela afirmou. “Apertando aquele botão, a agulha aparece, saltando do corpo do guarda-chuva, e dispara um jato do veneno ricina, que continua a ser o veneno mais potente do planeta.”


Por sorte, a peça era só uma reprodução. Foi o tipo de arma usada para executar o escritor búlgaro dissidente Georgi Markov, em um ataque realizado na ponte de Waterloo, em Londres, no ano de 1978, cerca de uma década depois da deserção dele para o Ocidente. Houve muita especulação sobre o possível envolvimento da KGB no caso.


Urbaityte, 29, estava parada diante de uma parede do KGB Spy Museum, recentemente inaugurado no bairro nova-iorquino de Chelsea.


O museu, um espaço amplo que abriga o que Urbaityte definiu como milhares de artefatos, documenta a ascensão do Komitet Gosudarstvennoy Bezopasnosti, ou Comitê de Segurança do Estado —mais conhecido como KGB, a agência de espionagem e polícia secreta da União Soviética.


O museu foi inaugurado em um momento no qual os serviços de inteligência russos estão em destaque tanto na cultura pop quanto nos noticiários. A série “The Americans”, do canal FX, girava em torno de um casal que espionava para a União Soviética em Washington e se tornou fenômeno cultural. Neste ano, ela ficou com o Globo de Ouro como melhor drama televisivo. Outra série de TV popular, “Homeland”, também tem vilões russos como antagonistas.


Em uma notícia que parecia ter saído diretamente do roteiro de “The Americans”, a russa Maria Butina, 30, admitiu-se em dezembro culpada em uma acusação de conspiração para agir como agente estrangeira. Como parte de um acordo com a Promotoria, reconheceu que funcionários do governo da Rússia estavam por trás dos esforços.


No ano passado, um ex-espião russo foi envenenado com um gás potencialmente letal, em Salisbury, no Reino Unido, um incidente que causou indignação internacional. A primeira-ministra britânica Theresa May declarou que era “altamente provável” que a Rússia estivesse por trás do ataque.


E um arquivo da KGB recentemente tornado público revelou os nomes de 4.141 letões que podem ter sido informantes secretos dos soviéticos.


Mas Urbaityte declarou que o museu é apolítico. “É histórico e trata do progresso tecnológico; não se pode apagar os fatos da história”, disse, sentada ao lado de seu pai, Julius Urbaitis, 55. Os dois são curadores da nova instituição.


O KGB Spy Museum representa a culminação de três décadas de trabalho como colecionador por parte de Urbaitis. Inicialmente, seu interesse eram artefatos da Segunda Guerra Mundial, mas quando adquiriu um dispositivo de escuta que pertenceu a Adolf Hitler, a espionagem começou a fasciná-lo.


A família vem da Lituânia, onde fundou um museu chamado Atomic Bunker, em 2014 —a instituição ficava literalmente num “bunker” de proteção contra ataques nucleares.


“Meu pai tem espírito de colecionador”, disse Urbaityte.


Alguns dos objetos do Atomic Bunker foram transferidos ao novo museu. Cerca de metade dos itens da coleção, que combina artefatos originais e cópias, são propriedade da dupla de pai e filha.


Os demais foram adquiridos separadamente pelos curadores. Urbaityte e Urbaitis não são donos do museu, que é privado e tem fins lucrativos. Os proprietários preferem se manter anônimos.


O museu não hesita em mostrar as táticas cruéis da KGB. Longe disso: há peças interativas, como o modelo de uma cadeira usada em interrogatórios.


“Se as pessoas quiserem, podemos amarrá-las”, disse Urbaityte, em tom brincalhão.


A visita começa com a reprodução da sala de um oficial de espionagem. Um manequim vestindo o uniforme de um oficial da KGB está sentado à mesa, com a bandeira da União Soviética por trás dele. À esquerda do manequim fica uma luminária de bronze que, de acordo com os curadores, foi parte do mobiliário de uma casa de campo que pertenceu ao ditador soviético Josef Stálin.


Ao lado, cartazes de propaganda soviéticos decoram uma parede. Um dos itens mais antigos presentes no local é uma mesa telefônica de 1928. O operador do equipamento foi quase certamente recrutado pelo NKVD, o serviço de polícia política russo que precedeu a KGB, de acordo com uma descrição da peça.


O museu também abriga as portas originais de uma prisão da KGB, em uma sala dos fundos. A descrição que acompanha as peças diz que “as pessoas que não aceitavam bem o processo de interrogatório, psicologicamente, eram colocadas em celas acolchoadas e recebiam diversos medicamentos que transformavam uma pessoa politicamente idealista em um vegetal”.


Muitas das peças do museu tentam mostrar exatamente como a KGB conduzia suas atividades, especialmente as de vigilância. Diversos mostruários de vidro mostram como os agentes instalavam câmeras e escutas —em anéis, relógios, fivelas de cintos, abotoaduras, peças de louça e outros objetos.


Esse não é o único museu de espionagem nos Estados Unidos, é claro. Há o Spyscape, inaugurado no ano passado em Nova York. E Washington tem o International Spy Museum. O National Museum of Intelligence and Special Operations está em desenvolvimento e deve ser inaugurado no ano que vem perto de Ashburn, na Virgínia.


Perto do final da visita, não consegui resistir e perguntei se os curadores assistiam a “The Americans”. Afinal, alguns dos aparelhos que o museu mostra tinham presença visível na série. “É uma série precisa e boa, gostamos dela”, disse Urbaityte.


O museu oferece visitas guiadas por US$ 43,99 (R$ 162) por pessoa. Mas se você quiser fazer a visita sozinho, o ingresso custa US$ 25 (R$ 92) para adultos e US$ 20 (R$ 73,50) para crianças e idosos. Urbaitis disse que ele e a filha querem que o museu “deixe os visitantes impressionados”.


 Tradução de Paulo Migliacci


Fonte: Folha de S.Paulo