Já faz algum tempo, mesmo antes da pandemia, que recorremos à comodidade dos aplicativos de entrega para fazer as compras de supermercado.

Em meados de 2019, quando eu morava no Rio, a multidão de entregadores do Rappi interditava a calçada em frente ao mercado Zona Sul, na rua Visconde de Pirajá. Como a loja fica exatamente em frente ao prédio em que eu morava, só usava o delivery quando tinha cerveja muito mais barata em algum lugar longe.

Em São Paulo, também moro em frente a um supermercado, um Pão de Açúcar. Mas aqui tenho usado sempre a conveniência da compra online. O motivo, óbvio, é a peste lá fora.

Delegar as compras traz algumas chateações para o usuário. Às vezes o comprador terceirizado se confunde e traz um item errado. Fui fazer estrogonofe e, na hora de abrir o creme de leite, percebi que era lactose zero.

O pior, para mim, é abdicar de escolher frutas, verduras, legumes e carnes. Tomates verdolengos e bifes mal-encarados são um dano colateral recorrente no supermercado virtual.

Sei que isso é mimimi de mimado, chororô de quem tem a condição de se isolar num apartamento em Perdizes.

O prejuízo para o rapaz ou a moça que entram no supermercado por nós é potencialmente muito maior. Eles passam os dias se expondo ao risco de contrair Covid-19 –para nos livrar desse mesmo risco.

Isso está certo? É eticamente aceitável?

As compras por aplicativo não eliminam o perigo do contágio, elas simplesmente o transferem para trabalhadores precários que recebem muito pouco por isso.

Em defesa da prática, podemos dizer que os entregadores estão lá por decisão própria. Que a vida deles será pior se os pedidos cessarem. Que, se você não fizer o pedido, outra pessoa o fará.

Justo. O problema é que são argumentos facilmente aplicáveis a uma série de deslizes éticos do capitalismo –para usar um eufemismo. As mesmas frases podem ser ditas para normalizar o trabalho infantil, por exemplo.

Não sei realmente a resposta para a pergunta que propus aqui. Como já disse acima, uso o serviço. Vou continuar a usar.

Mas o incômodo cresce.

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Fonte: Folha de S.Paulo