​Há pouco mais de 50 anos era inaugurado o aeroporto de Faro. O Algarve, no sul de Portugal, começava, então, a aparecer no mapa dos europeus, sobretudo os do norte, que procuravam temperaturas quentes e águas amenas.

No entanto, até há poucos anos, quem chegava a Faro logo virava à esquerda ou à direita. Hoje a conversa é outra: a cidade está renascendo.

Longe de ser uma cidade-resort, nas ruas misturam-se jovens de todas as idades, endinheirados e remediados, gente de férias e a driblar a correria de mais um dia de trabalho. Nas praças, misturam-se nacionalidades e idiomas que emprestam à cidade uma entoação cosmopolita.

Apesar do multiculturalismo, é verdade que a capital de uma das regiões mais turísticas do país se mantém genuína. Talvez seja por isso que conquiste tantos fãs.

Nos primeiros sete meses do ano, foram registrados, no Algarve, perto de 8,7 milhões de pernoites (de não residentes), mais 8,5% do que em 2016. A ver pela crescente dinâmica de Faro, uma boa fatia desse número terá ficado pela capital algarvia.

“Hoje, há muito mais oferta do que uns anos atrás. Há mais turismo e acabaram por abrir muitos espaços novos”, diz João Máximo, ex-diretor de vários hotéis do Algarve. 

A Tasca do João abriu no Largo do Pé da Cruz. Tal como nas ruas, também no interior dessa tasca cheia de graça, “misturar” é o verbo na ordem do dia.

Foram reaproveitados móveis para guardar a louça, à vista de todos. “Prova de que a simplicidade vale ouro” ou “best restaurant ever (melhor restaurante de todos os tempos, em inglês) são algumas das muitas frases simpáticas deixadas na entrada.

Esse é um lugar dedicado a petiscos feitos com produtos regionais. Por exemplo: salada de polvo, tosta de cavala, tiras de porco preto com alho e lingueirão ao alho estão entre as quase trinta sugestões do menu.

Quanto a vinhos, a carta representa praticamente todo o país. Em combinação com alguns petiscos, a refeição (o restaurante só serve jantares) fica completa. João lidera o salão; Gonçalo, o filho, trata da cozinha. É um negócio familiar. Pequeno, com produtos locais, caloroso, bonito e aberto ao mundo. Como a cidade que o acolhe.

Ir ao centro significa ir à rua de Santo António, a mais comercial de Faro. Para quem vai a passeio, o carro só atrapalha. Na rua de comércio salta à vista a calçada portuguesa, que se estende por toda aquela zona de pedestres.

A dois passos dali, também numa rua para pedestres, ergue-se o Aqua Ria Boutique Hotel, que cumpre o sonho de Elvino Carolino, hoje com 75 anos. Essa aventura da família Carolino começou em 1971 com a abertura do restaurante Brasília, hoje Costa Algarvia, instalado no térreo do hotel.

As cataplanas (receitas preparadas em uma panela típica de Portugal) são a especialidade da casa. João e Elvino Carolino, os filhos do precursor da empreitada, tomam conta do negócio que floresce num edifício recuperado, onde terá funcionado a primeira pensão de Faro.

O Aqua é um hotel pequeno, com 17 quartos bem decorados, situado numa das principais artérias da cidade.

Para dar resposta à crescente procura, terá um novo vizinho, na porta ao lado. Ainda neste ano, segundo as previsões de João Carolino, vão começar as obras de recuperação de mais um prédio antigo.

Da cataplana de peixe, bem apurada, do Costa Algarvia, segue-se a pé –​sempre a pé– para um dos afamados bairros da cidade, o Vila-Adentro, cercado pela muralha.

Uma das formas de se lá chegar é passando o Arco da Vila, monumento nacional e um dos mais representativos exemplares do neoclassicismo no Algarve, onde figura o padroeiro da cidade, São Tomás de Aquino.

Desde 2015, abriga o centro interpretativo de portas abertas a quem procura inteirar-se da história da cidade, do seu aparecimento, do terremoto de 1755 que a abalou e das empreitadas que se sucederam e fizeram dela o que é hoje.

No Vila-Adentro, percorre-se um universo de ruas empedradas, estreitas, bonitas, limpas, silenciosas que desembocam em espaços amplos e históricos como o Largo D. Afonso 3º ou o Largo da Sé.

A Sé é peça central nesse núcleo pelas suas características arquitetônicas, mas também pelas vistas que oferece sobre a cidade e a ria Formosa —um sistema de lagoas que está em constante mudança devido às marés, aos ventos e às correntes. É preciso subir à torre para ter o privilégio de ver um dos mais belos postais algarvios.

Antigo bairro de pescadores e marinheiros, hoje o bairro Ribeirinho, perto da marina e da estação de comboios, está cheio de vida nova.

A rua Conselheiro Bívar e as que a rodeiam, algumas para só para pedestres, fazem parte dessa zona multifacetada de Faro. Ergue-se uma mão-cheia de referências monumentais imperdíveis como o neoclássico Palácio Bívar , do início do século 19, ou o solar barroco do Capitão-Mor, do século 18, mas há também esplanadas, restaurantes, associações culturais, hostels e lojas de artesanato urbano.

É o caso da Sardinha de Papel, que, sob o princípio da reciclagem de objetos e de ideias, apresenta peças manufaturadas contra a corrente da produção industrializada. A promoção de artistas e workshops fazem parte da oferta.

Ali bem perto, foi inaugurado o Ground 864 no início do ano. Nesse bar, há entre 80 e 90 cervejas artesanais vindas de Canadá, EUA, Escócia, Noruega e por aí afora. Também há as portuguesas, como a Letra, que envelhece em barricas de vinho do porto, e a Barona, do Alentejo.

Bruno Ouro trabalha ali desde que a casa abriu, por isso já terá tido tempo de sobra para testar a variedade disponível. Diz gostar de todas, mas elege as India pale ale como as suas favoritas por serem muito aromáticas.

Também há um menu de comida à disposição. Às quintas e aos sábados também há música ao vivo.

De ilha em ilha, vá a todas

São 10h e o telefone de Sandra não para de tocar. São reservas que chegam. Sandra Correia e Ricardo Oliveira trabalhavam numa empresa de embarcações turísticas quando, há um ano, tomaram a decisão de abrir um negócio próprio, a Islands 4 you. A primeira embarcação a levar os turistas para lá dos limites da terra chama-se Bella Ria. O nome não poderia ser mais apropriado.

A ria Formosa, o cordão dunar (faixa de areia que separa a lagoa do mar) e o oceano Atlântico delimitam, a sul, o município de Faro. As conhecidas ilhas formam-se quando a areia fina é interrompida pelas ligações entre o mar e a ria. As ilhas da Culatra e a do Farol, a da Barreta, conhecida por Deserta, e a de Faro são de visita obrigatória.

Na ilha do Farol alinham-se casinhas térreas, há restaurantes e cafés, mas todos andam a pé ou de bicicleta. E todos de chinelos porque, felizmente, a areia é o “asfalto” do lugar.

Na Culatra cheira a peixe e a vida faz-se no e do mar. No pequeno porto amontoam-se as redes de pesca e as gaivotas à espera da sua sorte. Na ilha vivem sobretudo pescadores.

Na Barrinha, praia na extremidade nascente da península do Ancão, meia dúzia de pessoas humanizam um lugar normalmente despovoado. Não há edifícios nem infraestruturas. É um privilégio ver o mundo a partir desse lugar.

Navegar é preciso

“Nos últimos anos estive a trabalhar em formação náutica, entrega de barcos e charter nas Baleares, Reino Unido, Caraíbas, Gibraltar.” Ricardo Barradas adquiriu competências para lançar, neste ano, a Algarve Cruising Center –o que diz ser a primeira escola International Yacht Training em Portugal.

Entre outros serviços, aluga embarcações para quem privilegia a autonomia e ensina, a quem procura aprender, a manuseá-las. E enquanto se aprende navega-se. O curso de powerboat (motor, até vinte milhas da costa, sem limite de potência, até 15 metros comprimento) é sobretudo prático, por isso há que contar com várias horas a manobrar uma embarcação.

Há também curso de vela. Num país com uma costa tão extensa, porquê criar o negócio em Faro? “Porque é aqui que está o sol, o peixe, o mar, as ilhas com pessoas autênticas. Isto tudo perto de um aeroporto com várias ligações internacionais.” Só bons argumentos.

Workshop de Cataplanas

Em três horas, há tempo para ir ao mercado comprar os ingredientes para a cataplana, para conversar sobre a história do prato típico e para preparar um belo exemplar de peixe, marisco e bivalves.

Tudo isso acontece no piso superior do Tertúlia Algarvia, restaurante que também é loja e palco de divulgação de gastronomia, história e tradições regionais.

O chef Frederico Lopes confessa que a cataplana de que mais gosta é a de polvo com batata-doce. “É uma cataplana de segunda geração.”

O que ele quer dizer é que, ao contrário da tradicional, nessa nem tudo é cozinhado ao mesmo tempo: o polvo é congelado para se partir a fibra e cozido ao vapor, processo que lhe realça o sabor.

Outra iguaria a provar na Tertúlia é a muxama, o chamado “presunto do mar”, lombo de atum, salgado e seco, cortado em finas tiras. Um petisco.

Fonte: Folha de S.Paulo