Dia 1: Para um De Luxe, achei a acomodação aqui em Auckland acanhada. Cheguei hoje para uma quarentena mandatória de duas semanas, um preço razoável a pagar para voltar a este paraíso que é a Nova Zelândia. Mas depois de dois voos longuíssimos, não vou ficar reclamando das acomodações. Quero me jogar nessa cama e dormir.

Dia 2: Quantas horas dormi mesmo? Esse é o jet lag mais cruel que existe. Acho que tomei café da manhã. E acho que almocei, já que são duas bandejas encostadas na porta de entrada. Vou ter que dormir de novo, não estou aguentando. Vou só mandar três WhatsApps para quem eu gosto, dizer que “tô vivo” e pronto. Só tirar um cochilo e faço isso.

Dia 3: O relógio digital da cabeceira marcava 3h44 quando eu acordei de vez. Não faço ideia de que horas meu corpo achava que era. Hora de acordar em São Paulo? De almoçar? Lembrei que estava com fome e que o hotel onde estarei confinado por duas semanas tem “room service” 24 horas. Pedi um salmão. Tomei um banho (estava precisando!), dei uma olhada na internet, senti fome, pedi outro salmão. Acho que as coisas estão entrando no eixo.

Dia 4: Fiz tudo igual a ontem. A única diferença é que o relógio marcava 7h20 quando acordei. Ah! E troquei o salmão por filé de frango. E fiquei o dobro de tempo na internet. Admirei a luz de fim da tarde e vou dormir cedo.

Dia 5: Meu quarto é definitivamente sem graça. Reparei nele hoje pela primeira vez. Cores creme. Mesa e cadeira de aço cromado. Poltrona quase confortável. Vista horrível do centro de Auckland. Fiquei tanto tempo na internet que esqueci de almoçar. Pedi dois hambúrgueres de jantar. Vi “The Crown” tudo de novo.

Dia 6: Perguntei se poderia usar a academia. Negativo. Como será que meu corpo vai reagir a 14 dias deitado? Comendo “room service”?

Dia 7: Lembrei da ioga. Mas na terceira saudação ao Sol já tinha desistido. Resolvi pedir só salada, almoço e jantar. Dia “saudável”.

Dia 8: Leio no The New York Times sobre outros viajantes que são obrigados a ficar confinados. Nada mal o Medina Solaria na Tunísia, se você pegar um quarto com vista para o mar. Eu ficaria feliz também no Sofitel de Sydney, com aquela piscina (mesmo sem poder usar). Até o Roaders, em Taipei (Taiwan), eu achei legal. Mas qualquer palácio onde você fica confinado, acredite, vira uma prisão. Especialmente na segunda semana.

Dia 9: Na tal reportagem ninguém falava da solidão que é ficar tanto tempo no quarto de um hotel. Falavam do tédio, mas solidão é diferente. Eu não sabia que era possível enjoar de chamadas de vídeo. É sim. Uma semana sem contato humano e você não aguenta mais.

Dia 10: Não tenho mais roupas limpas. Vou ter que usar o serviço de lavanderia. Mais uma despesa além das diárias. Só de estadia são quase R$ 14 mil. Aí tem os extras. Acho que hoje não vou pedir jantar, para economizar.

Dia 11: Por que eu fiz tanta questão de vir para a Nova Zelândia? Porque eu não aguentava mais não viajar, eu sei. Eu achei que esse confinamento seria suave. Livros, internet, séries… Que inferno! E não vou nem falar do meu sono, que já está arruinado, todo picotado durante a madrugada.

Dia 13: E sei, pulei o dia 12, mas não tô nem aí. Não tem mais gorjeta para ninguém, nem se o garçom me trouxer o champanhe mais caro do cardápio. E tô bem também de banho. Ficar cheiroso pra quê?

Dia 14: Dormi bem, mas tive de tomar aqueles comprimidos que eu vinha evitando até agora. Também tomei um banho de 40 minutos. Não quero que o oficial de saúde que vem aqui hoje tirar minha temperatura pense que eu enlouqueci. Estou um pouco mais animado com a perspectiva de sair desse hotel amanhã. Nova Zelândia, enfim! Chamei isso aqui de inferno, mas talvez seja mais um purgatório. E acho que passei por ele até com uma certa dignidade. E você? Encararia o sacrifício se lá no final você pudesse ter a recompensa de, enfim, viajar?

Fonte: Folha de S.Paulo