Ao escolher um destino isolado para viajar durante a pandemia, pode ser tentador pensar que os riscos ficaram para trás. Mas os cuidados para evitar a Covid-19 precisam ser mantidos mesmo nesse tipo de turismo.

O empresário Filipe Baxter Khoury, morador há quatro anos da vila de Moreré, na ilha de Boipeba, em Cairu (BA), conta que é comum os visitantes se recusarem a usar máscaras por ali. Boipeba ficou fechada para visitação entre abril e setembro do ano passado para evitar o contágio da doença.

Ele tem uma padaria e diz já ter ouvido clientes ameaçarem ir para outro lugar caso fossem obrigados a usar máscara no local. “Eu não tenho dificuldade em mandar a pessoa embora, mas isso não é a realidade de todo mundo”, afirma.

Roseane de Oliveira, que nasceu em Boipeba e vive em Moreré há 11 anos, também teve problemas com um cliente que se recusou a usar máscara sob justificativa de já ter pegado a doença. Ela é dona da Luna Lanches, que começou a funcionar em novembro do ano passado, mas está temporariamente fechada desde 20 de janeiro. Roseane estava com medo de se contaminar e também de passar Covid para a filha e o marido.

“Trabalho na cozinha, que é uma quentura, e uso máscara. Os turistas também poderiam colocar na hora de fazer o pedido e de pagar a conta, mas muitos não querem usar, dizem que é besteira”, afirma.

Para Julio Oliveira, secretário de Turismo de Cairu, a recusa dos turistas põe os comerciantes em uma situação difícil: precisam se proteger e seguir as regras, mas não querem perder os clientes.

Julio afirma que a cidade está fazendo campanhas de conscientização das medidas de segurança —lavar as mãos, usar máscaras e manter distanciamento— e que a prefeitura vai intensificar a fiscalização do seu cumprimento. “As pessoas, como vão para um local menor, se sentem mais seguras, acham que não precisam usar máscara”, diz.

O uso de máscaras durante todo o transporte até o destino final, nas ruas, hospedagens e nos comércios ajuda a evitar a transmissão da doença entre turistas e nativos.

Segundo a prefeitura de Cairu, oito casos de Covid-19 foram registrados no vilarejo até quarta-feira (4) —em toda a cidade eram 796, o que representa 4,3% da população, com oito mortes.

Para o empresário, há subnotificação. “Existe uma dificuldade enorme para fazer teste, e, sem ter o diagnóstico, as pessoas que apresentam sintomas continuam vivendo a vida normalmente para não serem estigmatizadas como infectadas.”

Roseane afirma que o comportamento dos visitantes piorou durante o Réveillon, quando o fluxo de turistas cresceu. Ela teme que o problema volte a se agravar no Carnaval.

Quando a reportagem da Folha esteve em Moreré, de 28 de novembro a 5 de dezembro de 2020, não viu turistas se recusando a usar máscara —atitude inadequada em qualquer canto do país.

Em restaurantes, quiosques e pousadas, havia material recomendando distanciamento social, produzido pela Prefeitura de Cairu, e dispensers de álcool em gel.

Profissionais da cadeia de turismo —barqueiros, motoristas de quadriciclo, garçons, caixas dos mercadinhos— usavam o item de proteção no rosto sempre que viajantes se aproximavam, mas quando estavam apenas entre eles, o uso raramente foi observado.

Segundo o secretário de Turismo, houve um aumento no número de casos na cidade depois das festas de final de ano, mas eles já estariam diminuindo.

Para chegar a Moreré, é possível ir de monomotor diretamente de Salvador ou fazer um caminho maior, passando pela ilha de Itaparica, a cidade de Valença e a vila de Velha Boipeba. Esse caminho também é feito por aqueles que buscam atendimento médico.

Segundo Filipe e Roseane, quando é necessário algum tipo de atendimento, os moradores vão para Valença. É a única cidade nas proximidades com leitos clínicos e de UTI para a Covid-19, sendo dez de cada. Nesta quinta-feira (4), segundo a Secretaria Estadual de Saúde da Bahia, a ocupação era de 80% na UTI e de 60% nos leitos clínicos.

A capital Salvador tem atualmente 69% dos leitos clínicos e 73% dos leitos de UTI ocupados.

Cairu e seus destinos mais famosos —Morro de São Paulo, Boipeba e Moreré— não exigem testes para a entrada de visitantes. De acordo com Julio, há barreiras sanitárias para aferição de temperatura nos dois primeiros locais.

As hospedagens e os restaurantes estão funcionando com até 70% da capacidade, e festas são proibidas.

O distanciamento e falta de infraestrutura do vilarejo traz ainda outros problemas, que podem atrapalhar o cumprimento das medidas para conter a Covid-19. De acordo com Filipe, Moreré ficou 16 dias sem abastecimento de água entre o final de dezembro e meados de janeiro.

“Eu buscava água de balde no poço, fazia três viagens de carrinho de mão por dia, imagina como era para lavar a mão e manter a higiene”, afirma.

O lixo é outro problema no local. Com coleta deficiente, os moradores pedem que os visitantes evitem embalagens descartáveis e levem de volta o lixo que produzirem na viagem.​​

Fonte: Folha de S.Paulo