Criado para tentar diminuir a circulação de pessoas, o megaferiado da Semana Santa, que vai até domingo (4), deixou gestores de cidades turísticas em alerta.

Para evitar a chegada em massa de turistas, esses municípios, que também sofrem com altas taxas de ocupação nos serviços de saúde, se prepararam para barrar parte dos visitantes, ou pelo menos conscientizá-los sobre os riscos que carregam na bagagem.

“Este feriado foi muito ruim para a Região dos Lagos e para qualquer região litorânea ou de serra”, diz Alexandre Martins (Republicanos), prefeito de Búzios (RJ). “Se a pessoa não estiver trabalhando, vai aglomerar em algum lugar, não aguenta ficar em casa.”

A cidade já estava com barreiras sanitárias desde o começo do ano, mas aumentou os requisitos para a entrada de carros no feriado: só são aceitos moradores, trabalhadores locais e quem tiver um QR Code comprovando reserva de hospedagem na cidade.

“As barreiras são muito caras para nós, porque envolvem guarda municipal, vigilância sanitária, pessoal da saúde, um contingente grande e que funciona 24 horas. É um gasto excessivo, que pode atrapalhar o orçamento municipal”, afirma.

O carioca que deseja ir a Búzios precisa enfrentar duas barreiras sanitárias, porque há outro ponto de fiscalização em São Pedro da Aldeia, na rodovia Via Lagos.

Cidades do litoral paulista também apostaram em barreiras para conter visitantes.

Em São Sebastião, os turistas precisam fazer um teste rápido para Covid-19 nas barreiras antes de terem a passagem liberada. Quem estiver contaminado é orientado a dar meia-volta.

“Para nós, é muito triste ter que fechar a praia, pedir para o turista não vir, eu nunca imaginei fazer isso na minha vida”, afirma Felipe Augusto (PSDB), prefeito do município.

Augusto diz que a cidade vive um movimento de alta temporada desde o final de 2019. “Somos uma cidade de 90 mil habitantes que já sofre com uma quantidade excessiva de pessoas que trouxeram seus home offices para cá. Fomos para 160 mil habitantes”, afirma. “Tudo isso afeta a condição do município, a infraestrutura, só esse fluxo de moradores já lota mercados e farmácias.”

Com o sistema de saúde sobrecarregado, pacientes graves estão sendo transferidos para Caraguatatuba e até para São José dos Campos.

Das 98 mortes registradas em São Sebastião até esta quarta (31), 19 foram de turistas, segundo a prefeitura.

A vizinha Ilhabela, que tem apenas uma entrada, vive situação epidemiológica mais tranquila, com 36% de ocupação na enfermaria e 33% nas UTIs. Mas, neste feriado, visitantes só podem entrar se apresentarem um teste negativo do tipo PCR feito com até 48 horas de antecedência. Moradores não precisam do documento.

“Estamos avaliando a possibilidade de estender a exigência de testes para os finais de semana, a partir do meio-dia das sextas-feiras, diz Toninho Colucci (PL), prefeito. Nas três cidades, o acesso às praias está permitido apenas para prática esportiva individual.

Na Baixada Santista, um lockdown está em ação desde o dia 23, com fechamento do comércio não essencial, restrições à circulação de pessoas e ao funcionamento do transporte público, além de barreiras sanitárias.

De volta ao litoral norte, no sábado (27), em Ubatuba, moradores colocaram fogo na rodovia Oswaldo Cruz, via de acesso à cidade, para impedir a entrada de veículos.

Ubatuba está realizando um rodízio de placas para tentar diminuir a circulação de carros de fora da região.
“É uma surpresa ver que, nesses municípios, a comunidade está apoiando essas barreiras sanitárias, porque, ao mesmo tempo em que você limita a chegada do turista, também protege os moradores”, diz Fernanda Hummel, pesquisadora do Lets (Laboratório de Estudos de Turismo e Sustentabilidade), na UnB (Universidade de Brasília).

Ela lembra que há barreiras também em cidades do interior do estado, inclusive em Atibaia, onde está passando a quarentena com sua família. “Por aqui, a comunidade abraçou a barreira, é um movimento, independentemente de ser litoral ou não” afirma.

Na cidade, a prefeitura também proibiu o aluguel de casas durante o feriado.

Segundo a médica infectologista Maria Luiza Moura, do hospital Vila Nova Star, da Rede D’Or, viajar com pessoas que já vivem com você para uma casa alugada, de carro, é a forma mais segura de se deslocar neste momento, mas toda viagem desnecessária deve ser evitada.

Mesmo ambientes abertos, como as praias, onde a transmissão do vírus é mais difícil, precisam de atenção. “Qualquer lugar com uma grande quantidade de pessoas, mesmo aberto, representa um risco, porque a taxa de transmissão está muito alta.”

Como ressalta a pesquisadora Helena Costa, que coordena o Lets, o turista deve lembrar que seu destino de viagem é a casa de alguém. “Ele precisa fazer parte da solução, não do problema, tem que ser responsável porque, quando vai para outro lugar, coloca pressões e demandas sobre aquela comunidade”, afirma.

Viajar para regiões isoladas, de natureza, parece seguro para o turista, mas ele não se deve esquecer do risco que a chegada de visitantes pode representar para a comunidade local.

Região da Chapada dos Veadeiros faz lockdown voluntário

A Chapada dos Veadeiros, em Goiás, vive essa situação. No início de março, após a Prefeitura de Alto Paraíso de Goiás, principal município da região, desistir do fechamento de atividades comerciais, cerca de 60 pousadas, restaurantes, atrativos turísticos e outros empreendimentos decidiram ficar de portas fechadas, por 15 dias. A medida, voluntária, foi renovada e ainda está valendo.

Como conta Livio Lourenzo, dono da Mattula, empresa de souvenires na cidade, a mobilização é uma tentativa de passar uma mensagem mais unificada aos turistas, que ficariam confusos com as aberturas e fechamentos da região —cada cidade faz suas regras, e é comum que uma esteja aberta enquanto outra está fechada. “O lockdown voluntário foi pensado para preservar a imagem das marcas e da Chapada como destino turístico”, afirma.

Outra preocupação foi proteger a população local, que inclui a comunidade quilombola Kalunga, dos riscos de contaminação por visitantes. “Parte da cultura e da história da Chapada é formada por pessoas acima dos 50, 60 anos, que são parteiras, benzedeiros, curandeiros, com conexão muito forte com a natureza, mas sem acesso a informação, sistema de saúde e medicamentos”, diz Lourenzo.

De acordo com a prefeitura, o lockdown foi adiado na época por não ter havido aumento no número de casos de Covid-19 naqueles dias, e porque mais de 130 empresas se comprometaram a seguir medidas restritivas.

Segundo o empresário, se um morador ou turista precisar de atendimento médico na Chapada para casos mais graves, precisam ser levados para Brasília (a 223 km) ou Goiânia (a 425 km), que na quarta estavam com mais de 99% e 94% de ocupação nas UTIs, respectivamente.

O lockdown voluntário, porém, não é unanimidade na cidade —Lourenzo afirma que cerca de 60% dos empresários locais defendem a abertura aos visitantes.

A cidade de Alto Paraíso está revezando a abertura e fechamento de serviços não essenciais, em períodos de duas semanas. Seguindo esse plano, o município reabriu ao turismo nesta quarta, por 14 dias. Atrativos turísticos podem funcionar com 50% de capacidade, e as hospedagens, com 65%.

“Em nenhum momento devemos pensar que essas comunidades não precisam do turismo, para elas é difícil fazer essa escolha, mas é algo necessário”, afirma a pesquisadora Helena Costa.

Em São Sebastião, onde o turismo responde por 70% da renda do município, a mensagem da prefeitura é clara. “Deixe para vir depois, o mar e a praia estarão de braços abertos”, diz Felipe Augusto, prefeito da cidade.

Fonte: Folha de S.Paulo