“Encontrou alguma coisa interessante?”, grita um personagem de “Nomadland” para a protagonista Fern, enquanto ela corre por um labirinto de formações rochosas durante um pôr-do-sol no meio-oeste americano. “Pedras!”, ela grita de volta, animada.

Ganhador do Oscar de melhor filme, direção e atriz, “Nomadland” pega carona nas paisagens frias e desérticas de diversos estados do país. São cenários que funcionam como termômetro para os humores da viúva de 60 anos vivida por Frances McDormand. Fern mora numa van e viaja em busca de empregos temporários.

Mas ela se depara com muito mais que “pedras” em sua passagem pelo Parque Nacional Badlands, um conjunto de cânions dramáticos e colinas coloridas, cercados pelas pradarias verdes sem fim de Dakota do Sul.

Ela reencontra sua amiga Linda May e Dave, um possível interesse amoroso, além de ganhar suas cenas mais luminosas e sorridentes, num filme pra lá de melancólico.

Por conta do destaque no filme, com ajuda da pandemia que levou os americanos a mais experiências ao ar livre, Badlands virou um fenômeno nos últimos meses. Em maio, o guarda florestal Ed Welsh disse que nunca vira o camping do parque tão cheio.

Para ele, a região é repleta de figuras como as retratadas no filme, chamadas de “nômades”. “Hoje mesmo chegou um casal numa van para trabalhar aqui”, disse. “Gostei do filme, é realista. Não dá para esperar um final hollywoodiano.”

Welsh se acostumou com os turistas que aparecem em busca de “Nomadland”. Ele tira um mapa do bolso e rabisca com uma caneta os locais das filmagens, ao mesmo tempo em que controla a entrada no centro de visitantes (só pode com máscara e 15 pessoas no máximo).

No filme, Fern arranja um trabalho no camping do parque, que tem 96 espaços, ao lado de Linda May —uma personagem vivida pela atriz amadora de mesmo nome, cuja história está no livro de não-ficção no qual o longa é baseado.

As duas limpam os banheiros e ajudam na manutenção enquanto brincam de spa nas horas vagas, aplicando toalhas molhadas no rosto após um longo dia de trabalho.

O camping tem uma vista de fato cinematográfica. Quem dorme nas barracas ou nos trailers acorda de cara para as montanhas de cores pálidas e picos recortados, cenários que, para os visitantes de hoje, pouco combinam com o nome Badlands (terras ruins).

O título vem de longe, a começar pelos Lakota, que passavam por aqui séculos atrás para caçar bisões, base de sua alimentação, vestimentas e cultura. Para eles, a região era “mako sica” por ser difícil de atravessar.

Depois, vieram os franceses em busca das peles dos mesmos bisões, uma prática abusada também por americanos que quase levou os animais à extinção. Os franceses deram o mesmo nome, pelo mesmo motivo: “les mauvaises terres”.

Fundado em 1939, o parque tem hoje uma estrada principal impecável, repleta de mirantes cênicos. Não é preciso nem sair do carro para fotografar carneiros selvagens ou mesmo os bisões que, nas últimas décadas, voltaram a circular em grandes números.

Pelas pradarias, estão os cães-de-pradaria, um roedor da família dos esquilos. Eles moram debaixo da terra e dão o ar da graça em montinhos de areia, “latindo” como cachorrinhos quando avistam perigo, normalmente turistas que se aproximam demais.

Perto do camping, fica um espaço para telescópios para observação de estrelas, como quando Fern vê Júpiter no filme. A atividade está interrompida no momento.

Na trilha Door (porta), bem na entrada leste do parque, está um dos caminhos mais bonitos, com uma paisagem lunar. Foi daqui que saiu uma das fotos mais populares de divulgação do filme: Fern dá um sorriso monalisa, no mesmo labirinto rochoso onde ela encontra as “pedras”.

Badlands tem uma das camadas de fósseis mais ricas do mundo, e suas rochas brancas porosas parecem prestes a se esfacelar num aperto de mão.

Há uma trilha com réplicas de fósseis encontrados aqui. São as provas de que a região já foi um dia mar e floresta tropical, casa de pterossauros, tartarugas-marinhas gigantes e tigres dente-de-sabre.

Atração pega-turista

Além de Badlands, “Nomadland” viaja também ao parque estadual vizinho Custer, famoso pelas formações verticais de granito nas montanhas de Black Hills.

Quando Fern atravessa com sua van um túnel bem apertado, é o Doane Robinson Tunnel, construído de forma a fazer uma moldura perfeita à principal atração de Dakota do Sul, o Monte Rushmore.

A montanha com os rostos de quatro presidentes americanos não faz aparição no filme, mas fica a apenas 7km do túnel. No parque, Fern se banha nua nas águas de um rio e grita seu nome a plenos pulmões no topo de uma montanha.

É algo difícil de se imaginar fazendo hoje. Mesmo na baixa temporada, antes da chegada do verão, já faltava espaço nos estacionamentos das trilhas.

Embora sem Rushmore, a diretora Chloé Zhao levou a “Nomadland” uma das atrações mais pega-turistas do estado: o complexo de lojas Wall Drug e sua grande escultura de dinossauro.

A 12 km de Badlands, o espaço abriu como uma farmácia em 1932 e virou parada obrigatória para os motoristas da região quando seu dono começou a oferecer água gelada de graça.

No filme, Fern e Dave (David Strathairn) trabalham no restaurante de Wall Drug, que ainda serve água gelada de graça e café por 5 centavos.

A decoração é estilo faroeste, com centenas de lojinhas de souvenir. O restaurante funciona como galeria de arte, com 300 pinturas regionais, e seus funcionários aparecem em segundo plano em “Nomadland”, como o gerente Chris Fremstad.

“Filmaram um monte por aqui e foi muito legal fazer parte. Não esperávamos que virasse um filme de Oscar”, disse Fremstad, chateado que seu nome aparece errado nos créditos.

Para Julie Jensen, do órgão de turismo Visit Rapid City, maior cidade perto dos parques, nenhuma campanha de marketing chega aos pés de um filme de sucesso, como “Nomadland”.

“As pessoas querem saber onde é, querem visitar”, disse Jensen. “Foi assim como ‘Dança com Lobos’, trouxe muito para a região”, lembrou, sobre o longa de 1990 com Kevin Costner, também ganhador do Oscar.

Fonte: Folha de S.Paulo