O antigo cofre de um banco já desativado, em Porto Alegre, guarda um tesouro. Todavia, quem passa pela pesada porta de ferro não se depara com moedas de ouro ou cédulas de dinheiro.

Ali estão milhares de garrafas de vinhos nobres, incluindo alguns considerados os melhores do mundo, como os franceses Pétrus, da safra de 1991, que custa R$ 80 mil, e safras especiais do Romanée-Conti, ao preço de R$ 22 mil.

Trata-se da adega do restaurante Pampulhinha, fundado em 1971 pelo chef português Jaime Marques Pinheiro, 76, que chegou à capital gaúcha aos 17 anos para trabalhar na lancheria dos irmãos. A casa funciona no espaço de um banco desativado e sua adega ocupa o lugar do antigo cofre.

A fama da adega, já premiada pela variedade e qualidade dos rótulos, ganhou ares de atração turística.

Há quem venha de outras cidades apenas para conhecê-la. Ou aqueles que, ao visitar Porto Alegre, fazem da visita ao Pampulinha uma parada obrigatória.

“Recebemos bastante clientes de São Paulo. Os paulistanos são uma parte significativa da nossa clientela. Os gaúchos não gostam muito de peixe”, explica Kelly Margarida Alves Pinheiro, 43, uma das filhas do chef.

Isso porque, ao contrário do que se espera de um restaurante tradicional no Rio Grande do Sul, os pratos servidos no Pampulinha estão longe de ser o típico churrasco.

O chef se especializou em frutos do mar, que inspiram também a decoração do local.

“Meu pai inventou todos os pratos do restaurante e até hoje ele fica no cozinha, mesmo que tenha seus ajudantes”, conta a filha. O principal prato da casa é bacalhau grelhado acompanhado de legumes (R$ 230, serve para duas pessoas). Para acompanhar é possível escolher vinhos acessíveis, a partir de R$ 80.

Mas os vinhos da adega são, de fato, um espetáculo à parte.

“Normalmente, tu vais a um restaurante pensando no que comer e, então, escolhe o vinho. Sem menosprezo à cozinha, mas a adega do Pampulinha é uma atração. Tem gente que vai lá para primeiro escolher algo para beber e depois pensa no que comer, é algo excepcional”, analisa Maurício Roloff, professor de enogastronomia da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e diretor técnico da ABS-RS (Associação Brasileira de Sommeliers – RS).

O estoque do Pampulinha chega a cerca de cem mil garrafas, sob mais de 2.000 rótulos diferentes. A adega do cofre, entretanto, abriga os mais raros —e caros— deles.

Em grupos de enófilos do Whatsapp, por exemplo, vídeos e fotos de quem se impressiona ao entrar no interior do cofre chegam a viralizar.

O que faz um vinho como o Pétrus custar R$ 80 mil? Rolloff explica: “Ele é considerado o melhor merlot do mundo, produzido em Pomerol, na região de Bordeaux, na França. Dificilmente um bebedor de vinho lembra dos vizinhos do Château Pétrus pelo fato de ele ser o símbolo máximo da qualidade dentro desse território. Por isso se torna tão valioso e caro”.

O professor lembra que historicamente é a França que estabelece a “régua” de avaliação dos vinhos no mundo. A mesmo processo de valorização ocorre com o Romanée-Conti, diz.

“O Romanée-Conti não é só uma marca, é um culto. Ele é tão famoso por ser considerado a melhor expressão de pinot noir. As pessoas tomam ele pela experiência. Não é o líquido que faz ser caro, mas a vivência daquele visto como o melhor daquele estilo de uva em todo o planeta”, explica Roloff sobre o vinho produzido na região francesa de Borgonha.

Agora, porém, a cozinha do restaurante está fechada por causa da pandemia da Covid-19.

Com o avanço da doença em Porto Alegre, restaurantes podem apenas atender por tele-entrega ou retirada no local. “Meu pai entende que a comida precisa ser consumida na hora, fresca, e optou por não aderir ao delivery”, explica a filha.

Enófilos que estejam na capital gaúcha, entretanto, podem ficar tranquilos: o Pampulinha tem feito entregas das bebidas nas casas dos clientes.

Fonte: Folha de S.Paulo