Sabe aquele letreiro enorme, com a expressão “I Amsterdam”, pano de fundo de milhões de selfies dos turistas que passam pela capital holandesa, e que ficava bem na frente do Rijksmuseum, junto dos principais museus da cidade?

Pois é, não está mais lá. Agora você consegue tirar essa foto ao desembarcar no aeroporto de Schiphol, isso se não chegar muito cansado da viagem e passar pelo letreiro sem se dar conta, enquanto espera seu Uber para ir ao AirBnb.

Foram quase 15 anos de valorosos serviços prestados ao turismo. Com a fachada do museu como pano de fundo e suas três primeiras letras pintadas de vermelho —forçando o jogo de palavras, em inglês, “I am-sterdam”, ou “eu (sou) Amsterdã“—, a foto com o letreiro era um dos troféus mais procurados pelos mais de 18 milhões de visitantes que, estima-se, passaram pela cidade no ano passado. 

Um número que, aliás, pode chegar a 23 milhões até 2025! (Lembrando que a capital tem 850 mil habitantes.)

Qualquer destino do mundo estaria comemorando um resultado como esse. Afinal, o turismo é, sim, uma grande indústria, que traz excelentes resultados econômicos, algo que o Brasil estranhamente se recusa a explorar. 

Mas então por que as autoridades da cidade mudaram o símbolo de lugar? Para evitar, justamente, a concentração de turistas

Com o próprio Rijksmuseum, mais o Van Gogh e o Stedelijk Museum (um importante centro de arte contemporânea) ali por perto, aquela área mal precisava de outros atrativos para os estrangeiros. A ideia de instalar o letreiro ali, em 2004, no entanto, funcionou tão bem que… foi melhor distrair as multidões e realocá-lo no aeroporto.

Percebi essa mudança na última visita que fiz à cidade, algumas semanas atrás. Com a primavera em pleno esplendor, as estreitas ruas que nos ajudam a circular pelos inigualáveis canais da cidade começavam a ficar lotadas.

Incontáveis grupos de adolescentes procurando uma “aventura” (codinome para uma experiência lisérgica e sensual) se misturavam com modestas hordas de chineses e coreanos, mais atentos à voz quase mecânica de seus guias que chegava pelos fones de ouvido do que aos finos detalhes da silhueta das adoráveis construções tão típicas. 

Vi ciclistas de ocasião interferindo no “caminho da roça” dos ciclistas locais, ensaiando uma tênue atmosfera de nervosismo na todavia pacata rotina de circulação na cidade. E senti, eu mesmo, um cansaço de perambular por aquele destino que eu já tanto cobicei.

Do ponto de vista turístico, Amsterdã é vítima de seu sucesso como cartão-postal mundial. Na última coluna me referi aos problemas que Barcelona, outra vítima, também enfrenta com essas “invasões bárbaras”. 

Num artigo publicado nesta semana no New York Times, Jason Horowitz sugere um pulo a Treviso para quem quiser evitar as correntes humanas de Veneza, que está pensando seriamente em cobrar um ingresso dos forasteiros que queiram simplesmente vagar por suas ruelas imemoriais. E nem falemos de Paris.

Com a perspectiva desse fluxo de viajantes só aumentar, impulsionado sobretudo pelos asiáticos, algo realmente precisa ser feito para administrar essas “enchentes”, seja desviando a atenção, seja taxando quem por lá passa. Mas nós, turistas que somos, talvez possamos também fazer a nossa parte.

Não, não vamos —nem devemos— deixar de querer ir a esses lugares. Vivemos nessa época de ouro das viagens e sempre me emociono quando, ao embarcar num aeroporto do Brasil, vem alguém puxar conversa comigo só para contar que está realizando seu sonho de conhecer Paris, Lisboa, África do Sul, Bancoc, Buenos Aires, Miami —não importa o lugar. 

Porém, se nós conseguíssemos viajar levando na bagagem não a intenção de uma selfie predatória, mas a paixão que fez com que nós escolhêssemos este ou aquele destino em primeiro lugar, eu tenho certeza de que seríamos recebidos com mais carinho por todo o canto.

Quem sabe até o tal letreiro não voltaria para o Rijksmuseum ligeiramente modificado: “I amsterdamigo”!

Fonte: Folha de S.Paulo