O viajante frequente, especialmente o apressado, conhece aquele pequeno estresse que se repete diante da esteira do aeroporto onde, depois de um cansativo trajeto aéreo, devem ser devolvidas suas malas.

A espera traz sempre uma ponta de dúvida (elas surgirão mesmo?), pois todo mundo já ficou alguma vez até o último suspiro da esteira, a derradeira volta antes que ela estaque abruptamente, e se viu abandonado, de mãos abanando.

É verdade que há um ou outro viajante precavido que evita o momento de tensão e a posterior angústia de se ver destituído de seus bens no destino finalmente alcançado.

São por exemplo aqueles viajantes de negócios, que vão apenas fazer uma reunião ali no hemisfério ao lado e voltam correndo para celebrar o contrato fechado. Para passar uma ou duas noites fora de casa não é difícil fazer uma malinha de mão, que viaja em segurança grudada ao seu corpo.

Mesmo em viagens mais demoradas, tenho uma amiga que, tamanho o pavor de perder seus bens, prefere o desconforto de levar tudo consigo. Mesmo que tenha que vestir três casacos sobrepostos e sorrir amarelo na entrada do avião fingindo que a mala cujas toneladas arrasta com dificuldade tem menos de dez quilos.

Outra estratégia eu conheci (mas nunca executei) numa viagem a Nova York com o chef espanhol Ferran Adrià. Surpreendi-me ao ver a minúscula maletinha de mão a que se resumia toda sua bagagem. Sua explicação: ele sempre veste o mesmo tipo de roupa —calça, paletó e camiseta pretos—, apenas leva uma muda extra na valise, e toda noite envia a muda usada à lavanderia do hotel. Lavanderia de hotel sai caro —mas quem pode, pode.

Para a maioria, porém, a possibilidade do sumiço da mala existe. Reconheço que o problema vem diminuindo com o tempo. Num passado não muito distante, era comum que a mala chegasse, só que mais leve. Alguns aeroportos eram famosos pela habilidade dos gatunos que manipulavam a bagagem. Entre o avião e a esteira, algo de valor sumia.

Malas chegavam com o cadeado intacto, mas em algum canto a costura ou o zíper tinha alguma fenda, no tamanho suficiente para a saída de algum bem. Como um laptop que certa vez em Portugal, por alguma estúpida medida de segurança, me impediram de levar na bagagem de mão. E lá foi ele na mala despachada, para nunca mais voltar.

Hoje ninguém comete a imprudência de colocar equipamentos valiosos na bagagem a ser despachada; o risco é de extravio da mala inteira. Parece menor em voos diretos e mais frequente em voos com conexões, quando você troca de avião, mas a mala, não.

Há pouco cheguei em Guarulhos, após cruzar o planeta, e descobri que minha mala estava passeando em Hong Kong.

Curioso é que depois de esperar até a última pirueta de uma esteira, àquela altura já tristemente vazia, e enfrentar a longa fila no guichê de queixas, fui informado de que já estava registrado que a bagagem fora encontrada na véspera, solitária e sem rumo, e que já fora resgatada de seu desamparo para seguir ao Brasil.

Se já sabiam de tudo, por que não avisar o passageiro pelo serviço de som, por que não chamá-lo ao guichê de imediato? Que impulso sádico faz com que se deixe o exausto viajante ser hipnotizado pela esteira, que só trará desesperança ao dar seu último volteio?

Mas com todas essas agruras, ainda assim despachar malas grandes, quando não se pode evitá-las, é melhor que arrastá-las, mesmo com todas as alças e rodinhas, por aeroportos cada vez mais gigantescos.

Fabricantes lançaram um modelo que promete minimizar o desconforto: são as malas teleguiadas, que você dirige por controle remoto e te acompanham disciplinadamente. 

Mas mesmo elas podem estrelar uma perigosa distopia, sobre a qual (sem falar do assunto malas) especula o autor Yuval Harari no best-seller “Homo Deus”. Ele relata estudos que consideram as máquinas equiparáveis à mente humana (que não teria tanta singularidade quanto dizem). Com o veloz crescimento da inteligência artificial, elas logo estariam no comando.

As tais malas, que hoje nós podemos dirigir, em breve poderão estar, elas, rolando à nossa frente nos aeroportos, nos levando para o portão de embarque certo, em horário seguro, entregando cartões de embarque (para outras máquinas) à porta dos aviões. 

E reclamando das paradas para ir ao banheiro ou das distrações ao ver um velho conhecido, ou uma jovem desconhecida. Nesse futuro, seremos nós, titubeantes e indisciplinados, suas malas sem alça.

Fonte: Folha de S.Paulo