O Itaim Bibi tinha outro cheiro nas décadas de 1970 e 80. São Paulo permitia fábricas dentro do perímetro urbano, e na rua Joaquim Floriano ficava a Kopenhagen –então o que havia de melhor em matéria de chocolate (ao lado da finada Sönksen, na Liberdade).

Minha mãe me levava no Sacomã-Pinheiros, ônibus azul e marrom que pegávamos em frente ao muro do cemitério, até a lojinha de fábrica da Kopenhagen. Um ponto antes de descer, já dava para sentir o aroma de chocolate.

Para um pivete criado em tempos de permissividade com o açúcar, aquele lugar era o paraíso.

As balas de leite abriam alas para o nirvana chocolático infantil. O chocolate vinha em forma de barras, bombons, bolinhas, língua de gato, garrafinhas e o escambau a quatro.

Era tudo caro, mas a minha família comprava em ocasiões especiais. Mentira: comprava quando dava na telha do pai ou da mãe, o que não era lá tão frequente.

Os adultos gozavam orgasmos silenciosos –às vezes nem tanto– com o marzipã e o bombom de cereja ao licor. Do primeiro, eu não gostava; o segundo não me era oferecido. Meu lance era a Lajotinha, versão turbinada e gourmetizada do já célebre Bis. Um biscoitão wafer coberto do mais doce chocolate.

Mais ou menos na mesma época, a TV exibia o filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”. Foi reprisado tantas vezes que nem vou perder tempo com a sinopse. Claro que você já assistiu.

Rolava um certo prazer sádico em ver as crianças chatas desaparecerem (para a morte?) na fábrica de Willy Wonka, mas o chocolate em si não me despertava fantasias. Tinha a Kopenhagen na minha cidade, o que já era de bom tamanho.

A família Kopenhagen vendeu a operação, e a fábrica do Itaim foi fechada. Dizem que o chocolate piorou. Não sei. Comparações com memórias afetivas são infalivelmente erradas.

É fato que, com a concorrência daqui e de fora, a Kopenhagen deixou de ser especial. Tornou-se mais uma franquia entre tantas, espalhada pelos shoppings e aeroportos do Brasil.

Uma dessas franquias é de propriedade do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o filho 01 do presidente da República.

Flávio tenta explicar –sem sucesso, até agora– o desempenho fenomenal da sua loja de chocolate. Na contramão do setor, o negócio do senador fatura mais alto nos meses que não têm Páscoa. E o volume de dinheiro vivo que entra no caixa é assombroso.

Deve ser o lucro das lajotinhas, que a franquia vende para os empreendedores da construção civil na Muzema e em Rio das Pedras. Ou dos chumbinhos, favoritos dos amigos policiais militares. Talvez a receita venha do Nhá Márcia, sabor laranja, um must à mesa da família Queiroz.

Tenho dó dos outros franqueados, que pagam o pato por tabela, e sinto nostalgia amarga pela Kopenhagen. Ela já foi uma fábrica de chocolate fantástico, lá no Itaim de antanho. Hoje em dia, a marca remete de imediato à fantástica fábrica de dinheiro do senador Bolsonaro.

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Fonte: Folha de S.Paulo