Foi tão rápido que mal percebi: num momento, eu estava gravando meu quadro para a Rádio Globo; no instante seguinte, almoçava com uma dúzia de radialistas num rodízio de pizzas.

Rodízio de pizzas. Algo em que eu não punha os pés desde 1990, quando um ônibus de universitários paulistas invadiu uma bodega em Porto Alegre para se fartar com pizzas de estrogonofe, de língua ensopada e de coração de frango.

Não havia sido uma experiência excelente, então por que tentar de novo? Todo mundo ia, eu não bancaria o maleta (esse foi o Zé Carlos, que se recusa a comer pizza antes do pôr-do-sol). Além do mais, estou monetariamente descapitalizado: o preço, R$ 35 para comer até morrer, me era convidativo.

OK, confesso que estava faminto e curioso pela aventura. Boralá.

O lugar aonde as estrelas globais me levaram, na avenida Berrini, é o monte Everest dos restaurantes por quilo. Colossal. Três pisos: bufê nos dois primeiros e rodízio de pizzas no topo. No cume. No ápice.

Nossa longa mesa foi atacada por discos de pizza tão logo todos se acomodaram.

Peito de peru, atum com mussarela, calabresa, alho, quatro queijos, milho, palmito, brócolis, margherita, castelões (linguiça com queijo), atum sem mussarela, frango com catupiry, frangorela (frango com mussarela), portuguesa, pepperoni, bacon, baiana (linguiça picante).

Ah, tinha mussarela também.

“Aceita beijinho?”, sussurrou a garçonete que se aproximou por trás. Não, obrigado, tenho preconceito contra pizza doce.

Além do tal beijinho (leite condensado com coco), havia banana, brigadeiro, romeu e julieta, prestígio (brigadeiro com coco), sensação (brigadeiro com morango) e doce de leite.

Faltaram a pizza de cafezinho e a pizza de cigarro para arrematar a refeição.

A pizza não era lá essas coisas, mas passava longe dos horrores que serviam no Grupo Sérgio quando eu era moleque.

De mais a mais, aproveitei a longa e lauta refeição para entender o mecanismo. O rodízio de pizzas tem uma etiqueta própria.

Confira a seguir o que eu aprendi

Mas, antes, um pouco de autopromoção. Agora você tem receitas exclusivas da Cozinha Bruta no Instagram. Acompanhe também os posts do Facebook  e do Twitter. Agora pode voltar.

  1. Vá sempre em grupos grandes

Sozinho, é deprimente. Em casal, fica ridículo. Em grupos pequenos, o assédio constante dos garçons atrapalha a conversa. O rodízio de pizza é um programa para ser desfrutado em grupos grandes, preferencialmente de colegas de trabalho –não é legal o bastante para combinar com amigos num fim-de-semana.

O papo, entre uma mastigada e outra, acaba se limitando a comentários acerca da própria refeição (“que tal a pizza de sardinha com doce de leite?”) e especulações sobre a vida alheia (“será que o Chico do financeiro pega a Nanda da contabilidade?”).

  1. Rodízio é coisa de almoço

Devido às razões expostas no item número 1, o rodízio de pizzas tornou-se uma modalidade gastronômica circunscrita ao âmbito do almoço corporativo. Isso em São Paulo –curiosamente, uma cidade em que almoçar pizza nunca foi visto com muita simpatia.

Em outras partes do Brasil, o rodízio (e o rodízio temático, gizuis!) segue forte como um programão familiar de fim-de-semana.

  1. Ketchup está liberado

Eu vi a bisnaga vermelha em várias mesas. Eu vi várias pessoas espremer a bisnaga vermelha. Eu estava em São Paulo. Tenho minhas hipóteses:

  • Os escritórios da Berrini empregam muitos forasteiros;
  • A pizza não tem muito molho e não é grande coisa, então… por que não?
  1. Todos os sabores têm o mesmo gosto

Ainda não consegui uma explicação plausível para esta, mas é assim que funciona. Não adianta se irritar porque pegou um pedaço de calabresa segundos antes de passar uma margherita quentinha.

  1. Evite líquidos

Foco na comida. O objetivo é comer o maior número possível de pedaços (a quem interessar possa, eu comi apenas cinco, estou ficando velho). Beber atrapalha a sua performance. Cerveja? Pffffffff! Não sabia que o gás infla o seu estômago? Coma.

  1. Descarte as bordas

Na maratona das pizzas, jogue o jogo. A pizza é fina, mas tem pouco recheio. A borda é dura como um biscoito e frequentemente queimada. As casas fornecem pratos para ficar no centro da mesa, para que os comensais possam depositar as beiradas como se fossem a carcaça de um frango à passarinho.

  1. Guarde espaço para a sobremesa

Faz parte do ritual do rodízio comer pizzas doces. Não porque sejam boas ou algo do tipo, mas porque estão inclusas no preço fixo. E quem vai a um rodízio quer tudo a que tem direito.

Fonte: Folha de S.Paulo