(FOLHAPRESS) – Paraty se prepara para receber a Flip como uma onda de calor se instala para anteceder a chuva, empesteando o ar de ansiedade palpável –tudo toma seus lugares para receber o festival literário mais prestigioso do país depois de um intervalo de três anos e meio.

É uma metáfora bastante literal também. Foi uma tarde em que os termômetros bateram a casa dos 30ºC no litoral fluminense, com previsão de molhadeira para os próximos dias. Efeitos da primeira Flip que ocupa a cidade em novembro, se contrapondo ao clima seco e familiar de julho.

Quem andou pelo centro histórico nesta quarta-feira (23) podia topar com uma Nobel de Literatura sem querer. Annie Ernaux almoçou no segundo andar de um restaurante avarandado, com uma saia na altura das canelas e sandálias confortáveis o suficiente para andar pelas ruas pedregosas.

A cubana Teresa Cárdenas se atrasou na vinda do Rio de Janeiro, teve problemas na estrada. A americana Saidiya Hartman deixava os funcionários da pousada alvoroçados com sua chegada ao fim da tarde. Benjamín Labatut estava para aterrissar em São Paulo vindo do Chile.

É um clima que só a Flip proporciona aos amantes de livros, inimitável em edições virtuais –o potencial de trombar com alguns dos maiores nomes da literatura mundial flanando por aí.

Há algumas mudanças na cidade, contudo. A tenda onde palestram os autores e o espaço gratuito onde é erguido o telão ainda ocupam o mesmo lugar, na praça da Matriz. Mas do outro lado da ponte, há um novo espaço chamado Auditório do Areal, em que editoras se revezam para organizar seus lançamentos.

Tudo ainda estava em tom de preparação na tarde da quarta, com os visitantes se mexendo numa cidade que desperta aos poucos. A tradicional Livraria da Travessa, já em pleno funcionamento, mas ainda sem a lotação que cria filas impraticáveis, se dedicou a separar numa estante modesta a seção “futebol”, com obras de autores como Mario Filho e Eduardo Galeano.

Reflexo de outro evento que, talvez o leitor saiba, está acontecendo este mês. A Flip decidiu não incluir nada envolvendo a Copa do Mundo em sua programação, mas deixou um vácuo no horário da partida do Brasil contra a Sérvia nesta quinta, às 16h.

Por ora não há muito sinal de torcedores entre os visitantes que começam a movimentar as ruas.

“As pessoas estão sedentas por grandes eventos como esse. Nossa expectativa de vendas é muito boa”, diz Natalie Lima, gerente da livraria da Travessa. Segundo ela, a tendência é que os livros de Ernaux, que tomavam as estantes de destaque nas vitrines, sejam os mais vendidos do espaço.

A julgar pelo movimento nesta quarta, o otimismo da gerente faz sentido. Por volta de 16h30, havia em torno de 30 pessoas observando e folheando os livros em exposição nas bancadas e nas prateleiras.

Entre esses consumidores em potencial, estava o servidor público e escritor em começo da carreira Waldson Almeida, que veio de Foz do Iguaçu, no Paraná. Em sua primeira vez no festival, ele pretende acompanhar a mesa com a cubana Cárdenas, que acontece neste domingo, às 10h.

Em seu mestrado, Almeida estuda as ligações entre três escritoras negras: a brasileira Carolina Maria de Jesus, a americana Maya Angelou e Cárdenas.

O servidor público também está curioso em relação às participações da historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto e do ator Lázaro Ramos. “É importante que o espaço dado aos autores negros na Flip esteja se consolidando. Gostei muito da escolha da Maria Firmina dos Reis [mulher negra e primeira romancista do Brasil] como a homenageada desta edição”.

Espaço voltado para o público infanto-juvenil na praça da Matriz, a Flipinha recebeu ao longo do dia cerca de 700 crianças, segundo a equipe de mediadores. Foram, principalmente, grupos de escolas públicas e particulares de Paraty. Só o colégio Ethos enviou sete turmas para acompanhar as atividades no local.

Maria Cerbeli Santucci, de dez anos, era uma dessas crianças. Estudante da Escola Waldorf Quintal Mágico, ela passou cerca de quatro horas na Flipinha, divertindo-se especialmente com os livros à disposição do público. Quando conversou com a reportagem, estava lendo “A Sereia Garbosa”, que conta a história de uma sereia que gosta de rock.

Paco Treger, de oito anos, tinha acabado de participar de uma roda formada por crianças e adultos em que cada um deveria inventar uma parte de uma história. Moradores de Paraty, Paco e sua irmã Madalena, de sete anos, estavam ansiosos pela volta das atividades presenciais da Flipinha, suspensas nos anos passado e retrasado por conta da pandemia.