azul roberto Era azul a manhãFui dormir muito tarde na noite anterior e me dei ao luxo de ficar um pouco mais na cama.
Era um uma linda manhã de final de verão e eu ainda não havia me dado conta de nada. Um sol brilhante e o céu muito azul se anunciavam, intrusos, pelas frestas da veneziana.
Eu residia na Belgrove Drive, em Kearny, e havia acabado de acordar, por volta das 8 da manhã. Tomei o café ainda de pijama e segui para o banho.
Tirava o xampu dos olhos quando o telefone tocou. Ninguém liga para mim a esta hora do dia.
Corri nu e ensaboado até o quarto, pois o telefone tocava insistentemente.
Do outro lado da linha, a voz apavorada de Francisco Sampa me intimava a ligar a tv.
“Liga na CNN”, ele disse.
Envolto na toalha, tive dificuldade de achar o bendito controle remoto, espremido que estava nas dobras do sofá da sala.
A imagem era assustadora.
Um caos absurdo havia se instalado e uma cena semelhante a dos filmes de Hollywood – em que heróis aparecem do nada para nos salvar – ardia na tela do televisor.
Ambulâncias, viaturas policiais e do corpo de bombeiros, pessoas correndo desesperadas no meio de fumaça e poeira, barulho de sirenes e gritos assustados preenchendo a tela.
Demorei alguns segundos para entender que um avião acabara de se chocar com a torre norte do World Trade Center. Assim como relutei um pouco, antes de especular que pudesse ter acontecido um atentado terrorista.
Uma barbeiragem de algum piloto inexperiente, talvez. Ou um defeito mecânico, quem sabe, fez a aeronave despencar do céu para se chocar com o imponente edifício fincado ao sul da Ilha de Manhattan.
Permaneci paralizado, em pé na frente da tv, molhando o chão de madeira, apesar dos protestos da minha minha mulher.
Voltei correndo ao banheiro, enxaguei o corpo e tratei de me vestir. Era urgente chegar à redação.
Desci as escadas como se estivesse atrasado para um casamento. Dei partida no carro e liguei o rádio. Não havia mais dúvida.
Outro avião se chocaria à outra torre do World Trade Center, um pouco depois. O Pentágono também seria atingido. Uma terceira aeronave cairia na Pensilvânia  – graças ao empenho dos passageiros -,  evitando que atingisse a Casa Branca, seu alvo final.
Eu veria do terraço de um prédio de Newark a queda da primeira torre. Sentiria na pele o fim daquela sensação de impenetrabilidade e segurança que sempre tive, desde que cheguei aqui.
Raciocinei que Bruce Willis não viria nos salvar, como em Duro de Matar.
Stallone e Rambo não chegariam a tempo de evitar a tragédia.
Nem Clint Eastwood.
Nem Chuck Norris.
Nem ninguém.
O filme da vida é irreversivelmente real.
Instalou-se uma dor instantânea – fratura exposta -, uma sensação de fragilidade que o tempo não irá remover.
Voltando do Brasil neste 11 de setembro, tantos anos depois, eu vejo dois fachos de luz gigantes brotando do chão do local onde um dia estiveram de pé os edifícios mais altos do mundo.
Dois fachos robustos, imponentes, furando as nuvens pesadas que pairam sobre o céu de Gotham City às 5:35 desta manhã.
Uma lágrima de dor escorre, frágil, por debaixo dos óculos de grau.

Fonte: Brazilian Voice