FERNANDA BRIGATTISÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Um momento louco de expansão”, é como Patricia Lima, fundadora da Simple Organic, descreve o momento vivido pela marca, que cresce a um ritmo que chama de “galopante”. Em 2021, foram 300% de crescimento e o resultado de 2022 também deve ser recorde.

O crescimento vem no embalo do maior interesse em produtos de beleza considerados limpos -daí o termo em inglês clean beauty- e também pela compra da Simple pela Hypera Pharma, no fim de 2020, que deu a ela mais fôlego e capacidade de gestão.

Para quem ainda não foi apresentado ao universo dos cosméticos naturais, vale lembrar: uma fórmula limpa ou ligada ao clean beauty, em geral quer dizer que o produto é livre de sulfatos, silicone, parabenos e corantes. Em geral, são livres de testes em animais, mas nem sempre são veganos.

“Como nativa digital, tratamos o termo clean beauty de maneira muito séria. Lidamos com a geração Z, que chega ao consumo muito mais exigente.” Essa seriedade, segundo Patricia, precisa passar por toda a cadeia de negócios, da produção às lojas, dos insumos à remuneração dos fornecedores, da logística de entregas ao pós-venda.

Patricia falou com a Folha alguns dias depois de ter retornado do Egito, onde foi convidada a apresentar na COP-27 (27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas) a empresa e contar aos participantes que sim, é possível estar em um grupo de capital aberto e com metas altas de receita, e fazer isso de maneira sustentável. “O que faz é incrível, mas dá para fazer muito mais. O sustentável é uma urgência”, diz.

O clean beauty, diz Cesar Tsukuda, diretor-geral de Beauty Fair (Feira Internacional de Beleza Profissional), não é uma onda passageira, mesmo que ainda seja tratado pela indústria como um “nicho” de mercado, ou seja, algo produzido para grupos específicos e não para o público geral.
Em 2022, a feira teve um espaço dedicado à exposição de produtos naturais e orgânicos, naquilo que pode ser visto como uma sinalização ao mercado de que o segmento deve ser observado. “A discussão, agora, é: quanto tempo a indústria levará para fazer a transição? Quantas e quais indústrias tomarão a dianteira nesse quesito?”

Marcas menores têm a vantagem da velocidade em responder ao consumidor e colocar novos produtos no mercado mais rapidamente. A relação com a comunidade, como é chamada a comunicação entre as marcas e os consumidores por meio das redes, é um importante meio de escuta e de planejamento, algo que as beautytechs (como são chamadas as startups ligadas a cosméticos e maquiagens) fazem bem.

Respondem aos “chamados” da comunidade de consumidores produtos como o lubrificante e os lançamentos mais recentes: um fluido corporal e um sérum facial, ambos com fator de proteção solar. Eles ainda carregam o que Patricia Lima considera ser a próxima importante bandeira do mundo da beleza sustentável: fórmulas seguras aos oceanos, sem contaminantes que fragilizem a vida marinha.

A consultoria Nielsen QI já apontava em relatório de 2021 sobre as tendências para o futuro o aumento da importância da sustentabilidade no consumo, a partir do crescimento de pesquisas online. O termo com mais buscas era “livre de plástico”, seguido por “seguro aos oceanos”, “com refil” e “não tóxico”.

O posicionamento mais engajado com a mentalidade do clean beauty é quase obrigatório às marcas menores, e pode valer como uma distinção, algo que as faça parecer melhor do que as grandes já consolidadas.

A Sallve, fundada pela blogueira Julia Petit, uma precursora da produção de conteúdo sobre maquiagem e cuidados com a pele para internet, é vegana e cruelty free, classificação verificada pelo PeTA (Pessoas pelo Tratamento Ético dos Animais). Apesar de não se posicionar como uma marca natural, a Sallve se apresenta como uma marca segura, sem substâncias tóxicas ou alergênicas.

A Contém1g, que faliu após um período sob recuperação judicial, voltou ao mercado adequada às novas exigências do consumidor, com fórmulas veganas e livres de crueldade.

A Sallve é a nova dona da marca. O valor da negociação não foi divulgado, mas integra a estratégia de expansão da empresa, que recebeu R$ 110 milhões em rodada de investimentos em 2021, e aponta para a força do segmento na economia.

A jornalista Vic Ceridono, autora do “Dia de Beauté: Um Guia de Maquiagem para a Vida Real” e do blog de mesmo nome, também colocou no mercado neste ano a sua Vic Beauté, marca de produtos multifuncionais -o batom que é também um hidratante labial, o bastão que pode ser blush, sombra ou batom.

Em todos, há o selo de produto livre de crueldade animal e de reciclagem. Esse último garante que a produção segue certas diretrizes de economia de plástico. Nos envios pela internet, o papel colmeia substitui o plástico bolha.

Nos cuidados com os cabelos, a GE Beauty, fundada pela influenciadora Camila Coutinho, apresenta-se como dona de fórmulas limpas e com ingredientes naturais.

A marca também traz outra tendência que ainda se populariza lentamente: a customização dos produtos. Por meio de um quiz no site ou diretamente nos pontos de venda, o consumidor recebe a sugestão da melhor combinação de produtos para o seu objetivo, sejam cabelos mais hidratados ou cachos definidos por mais tempo, por exemplo.

Do nicho ao mainstream Marcas tradicionais e consolidadas também começam a investir no segmento, lançando linhas de produtos mais identificados com os conceitos do clean beauty.

Nos dois últimos anos, o Boticário, por meio do GB Ventures, incluiu sete startups alinhadas aos conceitos do clean beauty em seu programa de aceleração. A Quem Disse, Berenice?, marca do grupo, tem uma linha com maquiagens e produtos para pele sob selo “bonita com causa”.

A Risqué, tradicional marca de esmaltes, lançou em outubro a linha BIO, também sob o selo vegano, com ingredientes naturais, sem a presença de químicos tóxicos -mesmo a acetona está entre os banidos- e com embalagem feita em plástico reciclável e com cerdas de origem vegetal.

Até a rede de farmácias Pague Menos pegou carona na tendência e lançou, em 2021, uma linha capilar em barra 100% natural, embalada em papel e vegana.

Nicole Silbert, especialista em tendências na WGSN, empresa líder em tendências de comportamento e consumo, diz que as marcas que desejam se declarar limpas agora deverão ser seguras e sustentáveis ou correm o risco de perder a confiança dos consumidores.

Ou seja, é necessário cumprir a promessa de “beleza limpa”. Há no segmento muita preocupação com greenswashing, termo sem tradução em português que significa um tipo de “lavagem verde”, ou algo como um falso ESG (sigla em inglês para ambiente, social e governança).

“O termo clean beauty vem sendo muito usado de maneira equivocada. Pegam o produto e tiram dois ingredientes polêmicos, mas ele continua repleto de outros”, diz Patricia Lima, da Simple Organic.

É, de todo modo, um mercado promissor. A consultoria WGSN não tem dados dos potenciais desse segmento no Brasil, mas, segundo a British Beauty Council, o universo de produtos que aliem fórmulas livres de ingredientes tóxicos a posturas éticas (e, portanto, alinhadas ao valores ESG), pode chegar a 17 bilhões de libras em 2024.

Setor vê retomada e quer aumentar exportações Salões de beleza e lojas fechadas, reuniões pelo Zoom, máscaras, distanciamento social. Os muitos aspectos da vida social afetados pela pandemia atingiram em cheio tanto a indústria de produtos de higiene, perfumaria e cosméticos quanto o setor de serviços.

Houve o que o setor chama de “efeito batom”, segundo o qual o consumidor substitui o tipo de produto comprado em momentos de crise (ele não corta o consumo, apenas migra). Com a pandemia, uma das categorias que ganhou mais atenção foi a de cuidados com a pele, popularizados no termo em inglês skincare.

Nicole Silbert, da WGSN, diz que a pandemia impulsionou também outros mercados ainda pouco explorados, como os de cuidados com o couro cabeludo e a procura por produtos personalizados para regiões específicas do corpo, numa expansão do conceito de skincare para além do rosto.

“À medida que os consumidores aumentam seu repertório e conhecimento sobre produtos e ingredientes e buscam os mesmos rituais feitos no rosto, observaremos o aumento dessa demanda para outras partes do corpo”, diz.

O fim das restrições e a retomada das atividades econômicas animaram o setor, mas, para a indústria, ainda falta força nas exportações. Cesar Tsukuda, da Beauty Fair, diz que o Brasil, apesar de ser o quarto maior mercado em consumo, ainda é pequeno em vendas externas.

Em nota, o presidente da associação do setor, a Abihpec, João Carlos Basilio, diz que “se faz necessário desenvolver uma política voltada para o comércio exterior, a fim de mitigar assimetrias que reduzem a capacidade de competição do produto nacional.”

Tsukuda, da Beauty Fair, diz que, na prática, o Brasil exporta menos do que a balança comercial indica. “Na realidade, se trata de um número de transferência de produtos entre matriz e filial”, afirma. “Não é uma exportação de marcas brasileiras, não é uma exportação de inteligência brasileira. E a gente tem muito o que explorar do mercado mundial.”