FÁBIO PUPO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Paulo Guedes (Economia) começou o governo defendendo cortes em subsídios e desonerações no sistema tributário, mas entregará para o próximo presidente eleito uma conta ainda maior com esse tipo de política.

Também chamados pelo Ministério da Economia de gastos tributários, os subsídios reduzem a arrecadação pública a partir de exceções nos impostos criadas para diminuir custos ao consumidor ou ao produtor. A conta vai passar pela primeira vez a marca de R$ 450 bilhões em 2023, um avanço nominal de 49% desde 2019 (primeiro ano de governo).

Previsto pela Receita Federal nos dados que embasam o Orçamento do ano que vem, o recorde em gastos tributários agrava a situação das contas públicas no momento em que o governo calcula um déficit de R$ 63,7 bilhões para 2023 mesmo com uma série de despesas ainda pendentes de acomodação. Entre as iniciativas ausentes, a elevação de R$ 400 para R$ 600 do pagamento mínimo do Auxílio Brasil.

Os gastos tributários chegarão a 2023 com crescimento mais forte do que o observado na própria arrecadação federal -cujo avanço tem sido exaltado pelo governo. Em 2019, as desonerações representavam 18,7% das receitas totais; em 2023, o percentual sobe para 20,2%.

As maiores desonerações serão concedidas em 2023 ao Simples Nacional (R$ 88,5 bilhões), às indústrias da Zona Franca de Manaus (R$ 55,3 bilhões) e ao agronegócio (R$ 53,9 bilhões). Também estão na lista rendimentos não tributáveis do Imposto de Renda da Pessoa Física (R$ 45,3 bilhões), além de subsídios ao setor automotivo (R$ 10 bilhões) e a embarcações e aeronaves (R$ 5,8 bilhões).

O aumento é observado mesmo depois da promulgação da emenda constitucional Emergencial, em março de 2021, que permitiu a retomada do auxílio à população vulnerável naquele ano -e que determinava o envio em até seis meses, por parte do governo, de um plano para reduzir gradualmente incentivos e benefícios tributários.
O governo enviou a proposta, mas deixou de fora uma série de medidas. Mesmo assim, ela está completando neste mês um ano parada no Congresso -refletindo a falta de empenho da classe política para mexer com privilégios setoriais e reduzir aquele que é um dos principais gastos da União.

Mauro Rochlin, professor de economia da FGV (Fundação Getulio Vargas), chama atenção para o fato de os gastos tributários representarem no ano que vem praticamente um quarto das despesas do Orçamento (R$ 1,8 trilhão em 2023). “É algo muito significativo em termos de recurso final e até das despesas como um todo”, afirma.
Ele cita como possíveis culpados pelo cenário o governo, por não ter mobilizado sua base parlamentar por mudanças no tema, e a resistência do Congresso em alterar benefícios de determinados grupos. “Mexer com gastos significa mexer com interesses consolidados. Então raramente vemos isso avançar”, afirma.

Para ele, é preciso fazer uma avaliação sobre os gastos tributários e seus benefícios para a sociedade. “Quando a gente fala de cenário fiscal, uma das medidas deve ser estabelecer métricas para verificar o impacto das políticas adotadas e saber o resultado delas. Então seria fundamental saber se elas valem a pena”, afirma. “Mas nossa política fiscal é muito mal avaliada”, diz.

Mauro Silva, presidente da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), diz que a lista de gastos tributários privilegia certos grupos e impede a adoção de políticas em benefícios da população em geral -como a correção da tabela do Imposto de Renda.

“Você está penalizando aquelas empresas que pagam impostos para o privilégio de alguns, então isso é uma distorção imensa no nosso sistema tributário. É preciso que isso seja enfrentado”, afirma.

Para ele, a multiplicação desses custos é reflexo também da presença de parlamentares que representam determinados grupos de interesse. “Temos muitos empresários e representantes do agronegócio e de outros setores importantes dentro do Congresso, que tem uma grande representação dos mais ricos legislando em causa própria e criando mais e mais privilégios”, diz.

Economistas de candidatos à Presidência têm defendido de maneira proativa o corte nos gastos tributários como forma de aliviar a pressão nas contas públicas. Nelson Marconi, da campanha de Ciro Gomes (PDT), afirma que a meta é reduzir 20% dos gastos tributários.
Elena Landau, da campanha de Simone Tebet (MDB), diz ser necessário revisar os gastos tributários como um todo, com avaliação de cada política.

“Isso tem que fazer. Nossa proposta é seguir os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), com revisão de despesas de curto, médio e longo prazo”, afirma. “Tem que ter uma análise de impacto fiscal e uma avaliação de política pública sobre gastos tributários. Será que determinada indústria que precisou de incentivo 20 anos atrás precisa hoje? A economia não está mudando?”, questiona.

A elevação dos gastos tributários vai na contramão do defendido por Guedes no início do mandato. Em seu discurso de posse, em janeiro de 2019, ele defendeu que a classe política assumisse o controle das contas públicas e sugeriu o corte de subsídios.

“Será que a classe política já é madura o suficiente para assumir o protagonismo, para assumir o comando do Orçamento da União, votar mais saúde e educação? Pode ser até mais do que está hoje, mas corta onde? Diminui os subsídios. Não somos uma fábrica de desigualdades? Não demos R$ 300 bilhões de desonerações fiscais?”, disse na época.

Questionado sobre a ausência de diminuição dos valores, o Ministério da Economia já informou em outras ocasiões que o foco do governo no meio do mandato foi combater os efeitos da Covid-19 e defendeu a comparação dos gastos em relação ao PIB. Nesse caso, há uma queda na relação -mas marginal, de 0,04 ponto percentual (de 4,33% em 2019 para 4,29% em 2023).

Nos últimos dias, o Ministério da Economia publicou o Orçamento de Subsídios da União, no qual afirma ter criado um comitê de monitoramento dos subsídios para avaliação desses gastos. Segundo a pasta, “a redução de benefícios tributários é bastante desafiadora”.

De acordo com o ministério, é preciso considerar lacunas relevantes que costumam permear a instituição e a revisão dos benefícios, como a ausência de um órgão gestor, de indicadores e de parâmetros de monitoramento e avaliação -“o que favorece a cristalização das políticas financiadas por essa modalidade de subsídio”. Procurado, o Ministério da Economia preferiu não fazer mais comentários.
Colaboraram Renato Machado e Marianna Holanda