MÁRIO BITTENCOURT
LUIS EDUARDO MAGALHÃES, BA (FOLHAPRESS) – O governo da Bahia deve publicar, nos próximos dias, em meio à crise climática, uma portaria que flexibiliza as normas para captação de água para irrigação de áreas agrícolas no oeste do estado.

O anúncio foi feito pelo governador Rui Costa (PT), durante visita à Bahia Farm Show, uma das principais feiras do agronegócio no Brasil, realizada entre os dias 1º e 4 de junho no município de Luís Eduardo Magalhães.
Procurado, o governo da Bahia não se manifestou sobre as críticas de ambientalistas.

As alterações no volume de captação de água e na distância entre poços artesianos têm como base estudo científico feito por universidades do Brasil e dos EUA, durante quase cinco anos, com custo de R$ 5 milhões, financiado pelos agricultores.

Será permitido, por exemplo, abrir poços artesianos para captação de água para irrigação em menor distância uns dos outros. As normas atuais autorizam distância mínima de 2.500 metros, e agora essa distância pode chegar a 1.000 metros, desde que amparado em projetos técnicos.

Alguns poços chegam à profundidade de 300 metros, com vazão de 500 mil litros de água por hora. Outros, com 80 metros de extensão, possuem vazão de 10 a 15 mil litros/hora.

Também haverá alterações nas outorgas para captação, cujos volumes vão variar conforme a época do ano ou a disponibilidade de água superficial (volume dos rios) e subterrânea.

A irrigação no oeste do estado é feita em parte com águas do aquífero Urucuia, que possui águas subterrâneas numa extensão de 125.000 km2, entre o Maranhão, Piauí, Bahia, Minas Gerais e Goiás. A outra parte da captação é dos rios Grande e Corrente, afluentes do Rio São Francisco.

Na abertura da Bahia Farm Show, o governador Rui Costa disse estar seguro da sua decisão. “Nós vamos, com base nesses estudos, estabelecer novos parâmetros, flexibilizando e ampliando o uso da água”, afirmou Costa.

“Muitas vezes, ficou comprovado, para fazer a regra para o uso de água, você amarrava, excessivamente, as condições do mesmo volume de água. Ficou comprovado que algum nível de flexibilidade pode ser feito, sem prejudicar o meio ambiente e a reposição do manancial hídrico da região”, disse o governador.

Segundo a Aiba (Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia), a maioria produtores de soja, milho e algodão, a flexibilização das normas permitirá ampliar em mais 500 mil hectares a área irrigada, mas isso depende ainda do aumento da oferta de energia.

O oeste da Bahia tem atualmente 2,3 milhões de hectares de área plantada, sendo 200 mil hectares irrigados, onde é possível colher até três safras por ano, ao contrário das áreas de sequeiro, que colhem bem apenas a primeira safra.

Devem ser produzidas nesta safra no oeste da Bahia 7,07 milhões de toneladas de soja, (3,5% a mais do que a safra passada), 2,05 milhões de toneladas de milho (11,8% superior) e 1,3 milhão de tonelada de algodão (10% de alta), segundo dados da Aiba e outras entidades representativas dos agricultores do oeste.

Outras culturas, como banana, melancia, café, cacau, trigo, feijão e sorgo, somam 236.500 toneladas, o que totaliza mais de 10,7 milhões de toneladas de produtos agrícolas cultivados na região.

Odacil Ranzi, presidente da Aiba, afirma que as alterações serão benéficas tanto para pequenos quanto grandes produtores implantarem ou ampliarem o sistema de irrigação e produzirem mais.
“Esse estudo provou que a água pode ser retirada ainda por muito tempo, e que boa parte dela pode ser devolvida pelas chuvas. Para isso, estamos investindo em projetos de reflorestamento e manejos sustentáveis que favoreçam ao maior tempo de permanência da água no solo”, disse o dirigente. “Com isso, a água, com o tempo vai para o lençol freático e abastece o aquífero.”

Segundo o pesquisador da Embrapa Cerrados, Lineu Neiva Rodrigues, é possível manter a captação das águas do aquífero Urucuia, mas também é necessário que se observe as áreas de recarga, que estão em torno das nascentes.

“Por meio delas, as águas das chuvas vão escorrer para as nascentes e abastecer o aquífero”, disse o pesquisador, segundo o qual os níveis de chuva da região, apesar de alguns anos terem sido baixos, têm sido muito instáveis.

“O volume de chuva no oeste da Bahia varia muito de região por região. A depender do local da pesquisa, vamos ter altos volumes ou baixos volumes”, disse o pesquisador. Em uma palestra na feira agropecuária, ele apresentou dados pluviométricos entre 1980 e 2011, com variação média de 50 mm até 350 mm de chuva por ano.
Entre os produtores rurais, a expectativa é de redução da burocracia para conseguir outorga para abrir mais poços artesianos. O pecuarista Antônio Rodrigues Porto, 77, dono de 2.000 cabeças de gado que estão em sua fazenda na cidade de Wanderley, quer ter mais segurança para alimentar para o gado.

“Eu tenho oito poços, de uns 80 a 100 metros, cada um com uns 10 mil litros de vazão por dia. Mas se puder ampliar, para mim é bom, pois posso usar água para melhorar a qualidade do pasto, que na época de seca não rende muito. Então, se puder irrigar o pasto, é melhor. Atualmente, ele só é irrigado com água da chuva”, afirmou.

O agricultor Celestino Zanella, um dos idealizadores do estudo técnico de viabilidade de uso dos recursos hídricos da região oeste baiano, disse que a flexibilização das normas vai reduzir os problemas entre fazendas vizinhas.

“Tem casos de agricultores que deixam de ter irrigação porque o poço fica muito próximo do vizinho. Não queremos isso, e sim que todos possam ser beneficiados com a irrigação”, declarou Zanela, que é ex-presidente da Aiba e produtor de soja, milho, algodão e feijão, numa fazenda de 7.000 hectares em São Desidério.

A Aiba informou que a ampliação da irrigação no oeste da Bahia será acompanhada do lançamento do Sima (Sistema Integrado de Monitoramento Agrícola), previsto para agosto deste ano.

Apresentado durante a Bahia Farm Show, o SIMA utiliza tecnologias avançadas para coletar dados diários sobre os índices de pluviosidade, umidade do solo, utilização da água para irrigação e nível do aquífero Urucuia. O acesso aos dados deverá ser disponibilizado para o público em geral, separados por município.

Para os produtores rurais, será disponibilizada ainda no SIMA uma calculadora de crédito de carbono, para que seja possível fazer o balanço do sequestro de carbono na lavoura de soja, cultura inicialmente testada pela ferramenta na região.

REDUÇÃO DE ÁGUA DOS RIOS
As alterações das normas são alvo de críticas de especialistas. Para o geógrafo Valvey Dias Rigonato, do Departamento de Geografia da Ufob (Universidade Federal do Oeste da Bahia), a medida “é um desastre anunciado com aval do governo da Bahia”.

“Ao menos 500 famílias, de oito comunidades, somente da área que realizo pesquisas há mais de dez anos, passam por problemas sérios de falta de água e a que tem é de baixa qualidade, seja para consumo humano ou animal”, disse Rigonato.

Na opinião do docente, o estado está mais preocupado “com marketing ambiental e político” do que com que construir uma gestão ambiental que possa minimizar a desordem ambiental.

O agrometeorologista Marcos Heil Costa, por sua vez, alerta que a região vem tendo redução das vazões dos rios e apresenta queda de 12% nos índices pluviais desde os anos de 1980, devido às mudanças climáticas, e há previsão de escassez de chuvas para os próximos anos.

Não só o oeste da Bahia, mas para todo o Nordeste e parte de Tocantins estão sendo afetados pela escassez de chuvas, na opinião de Costa, que é engenheiro agrícola e doutor em Ciências Atmosféricas pela UFV (Universidade Federal de Viçosa), em Minas Gerais.

“É preciso muita cautela com o uso da água na irrigação. Desde que feita de forma racional, a irrigação pode ser uma ótima opção para uma agricultura mais resiliente às mudanças climáticas”, disse.O jornalista Mário Bittencourt viajou a Luís Eduardo Magalhães a convite da Bahia Farm Show.