BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, diz em entrevista no dia em que a Câmara dos Deputados concluiu a votação do texto do novo arcabouço fiscal que a nova versão da proposta ficou “mais apertada”, ampliando o desafio fiscal do governo nos próximos anos, mas com condições de ser cumprida.

Ele argumenta, porém, que o Executivo precisa de algumas exceções em 2024 para acomodar um crescimento de despesas já contratado para o ano que vem. A lista inclui o piso da enfermagem e a retomada da vinculação dos pisos de saúde e educação à arrecadação –que pode elevar o gasto mínimo nessas áreas em até R$ 35 bilhões, segundo cálculos de economistas.

“O grande desafio é 2024. Todas as coisas atípicas entram em 2024. É um ano difícil. Trazer o piso da educação, da saúde, óbvio, é meritório, mas traz um desafio fiscal grande. Isso se combina com o piso da enfermagem. São meritórios, mas fiscalmente eles trazem desafios. Tudo isso pressiona. Por isso, 2024 é um ano mais difícil. Depois as coisas vão ficando melhores”, diz Ceron.

“Então, o que é o mais adequado fazer? Eu elevo essa banda [de crescimento da despesa] para 3%, 3,5% para frente, ou eu faço um ajuste para acomodar as distorções que existem no momento? Tem eventos atípicos que precisam ser incorporados, e dali a gente segue”, afirma o secretário.

O tamanho do ajuste mencionado por Ceron foi o principal ponto de impasse nas negociações nos últimos dias.

Pela regra proposta pelo governo, o crescimento do limite de gasto do ano seguinte deve equivaler a 70% da variação da receita em 12 meses acumulados até junho do ano anterior, já descontada a inflação, desde que respeitado o intervalo de 0,6% a 2,5%. Na prática, esses são o piso e o teto de avanço das despesas, independentemente do quadro econômico do país.

A equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) tinha a expectativa de alcançar a alta de 2,5% no primeiro ano de vigência do novo arcabouço, o que seria suficiente para acomodar o avanço mais forte de alguns gastos obrigatórios. Mas mudanças feitas pelo relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), acabaram restringindo esse potencial.

Em uma concessão ao governo, a primeira versão do parecer de Cajado alterou a regra para fixar o reajuste real da despesa no teto de 2,5% no primeiro ano –o que foi visto pelo mercado como uma manobra para autorizar gastos extras e gerou críticas, inclusive no Congresso.

Nesta terça-feira (22), o relator propôs um meio-termo. O texto prevê que o governo siga a regra geral na elaboração do Orçamento de 2024, mas com a possibilidade de abrir créditos adicionais ao longo do ano que vem, caso a arrecadação surpreenda de forma positiva.

Nos cálculos de técnicos do Congresso, o dispositivo pode dar uma folga adicional ao governo de R$ 15 bilhões a R$ 28 bilhões.

“Tecnicamente, acho que é mais adequado tratar a exceção no primeiro momento, e depois você incorpora [na regra definitiva], como ficou [no texto]. Acho que as dinâmicas estão adequadas, a regra ficou melhor para médio e longo prazo. Ele está mais consistente”, diz Ceron.

Segundo ele, o ajuste feito neste momento seria único e vinculado à obtenção de receitas, e o percentual de 2,5% estipulado como teto para o avanço da despesa nos períodos seguintes seguiria em linha com a taxa de crescimento econômico do Brasil no longo prazo. Por outro lado, se a alternativa fosse elevar o teto da banda de correção dos gastos, isso poderia criar um problema de sustentabilidade para a regra.

O secretário destaca, no entanto, que a concessão do espaço extra não é automática, e o governo precisará obter um forte aumento de receitas em 2024 para conseguir usufruir do benefício. Ele calcula que a alta terá de ser ao menos 5% acima da inflação –mais do que os 3,6% estimados pelo Congresso.

A conta dos 3,6% é matemática, pois 70% desse percentual resultam nos 2,5% de limite de expansão das despesas. Mas esses não são os únicos fatores que o governo precisará observar ao abrir os créditos adicionais autorizados pelo arcabouço em 2024.

“Isso só pode acontecer se você cumprir o primário. Não se pode esquecer disso. Você não pode executar essa despesa se não for cumprido primário.”

O governo estipulou a meta de zerar o déficit primário em 2024, isto é, ter despesas e receitas em valores equivalentes. Segundo Ceron, para atingir esse equilíbrio, a arrecadação federal precisa crescer mais de 4% acima da inflação.

“O regramento autorizou que, se a receita performar bem, você pode abrir o crédito adicional até os 2,5%. Mas o outro artigo diz que você precisa cumprir o resultado primário, porque se não cumprir tem que contingenciar”, afirma.

“De um lado, supondo que o cálculo da receita permita o crescimento de 1,5% na despesa para o ano que vem, aí fica 1 ponto percentual de diferença [em relação ao teto], mais ou menos R$ 20 bilhões. Por outro lado, tem contingenciamento de até 25% na discricionária, que dá quase R$ 50 bilhões. Então, eu só vou poder usar esses R$ 20 bilhões se eu estiver cumprindo o primário. Se não, vou precisar contingenciar até R$ 50 bilhões”, diz.

Na prática, sem um maior esforço pelo lado da arrecadação, é como se o governo decidisse gastar com uma mão e precisasse frear as despesas com a outra.

O governo hoje prevê um crescimento de 2,3% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2024, o que tende a puxar a arrecadação. Ainda assim, a equipe econômica precisaria fazer um esforço complementar de outros 2% a 3% de avanço nas receitas para conseguir usufruir do bônus.

Mesmo com as exceções para 2024, Ceron avalia que o relator endureceu o texto do arcabouço ao incluir gatilhos automáticos de ajuste em caso de descumprimento da meta de primário.

“Não tenho a menor dúvida de que ela [a regra] foi mais apertada, mas é inegável que houve um esforço do relator de dialogar e preservar o desenho e tentar aprimorá-lo, torná-lo mais consistente no tempo”, diz.

O secretário afirma que há princípios importantes no texto construído pelo Congresso, como a gradualidade da implementação dos gatilhos e a flexibilidade para o Executivo propor outras compensações que não as elencadas pela legislação.

O texto aprovado na Câmara proíbe, por exemplo, a concessão de novas renúncias fiscais e a adoção de medida que implique aumento de despesa obrigatória acima da inflação, caso a meta seja descumprida por um ano. Se houver estouro por dois anos seguidos, são acionados gatilhos que vedam novos concursos públicos e reajuste para o funcionalismo.

O presidente da República, porém, pode propor medidas alternativas, caso considere que essas travas serão excessivamente prejudiciais. Agentes de mercado viram esse dispositivo como uma espécie de leniência com o estouro da meta, mas o secretário discorda dessa avaliação.

“O texto é bem claro no sentido de que você pode optar. Isso chama-se democracia. Se você não toma nenhuma outra atitude, você vai ter que seguir essas medidas [dos gatilhos]. Mas, supondo que alguma daquelas medidas o governo entende que não deveria ser tomada, ele pode utilizar uma outra. Mas ele não pode não escolher a compensação, que aí seria uma fragilidade. Não pode escolher não fazer o ajuste, não compensar o descumprimento”, afirma.