RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – No centro de um escândalo contábil, a Americanas vinha garantindo elevados ganhos a seus executivos nos últimos anos, não só em salários mas também com bônus e a cessão de ações por desempenho.

Os ganhos foram acelerados a partir de 2020, segundo documentos entregues pela empresa à CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Entre 2020 e 2021, o valor médio pago a diretores praticamente dobrou, passando de R$ 4,3 milhões, em valor corrigido pelo IPCA, para R$ 8,5 milhões.

A proposta para 2022 previa uma média de R$ 11,8 milhões em salários, bônus e ações, mas o valor final depende do cumprimento de metas pelos executivos e deve sofrer impactos de um eventual processo de recuperação judicial para equacionar a dívida da companhia.

Procurada, a Americanas não comentou o assunto.

Os elevados ganhos da diretoria da Americanas são citados pelo escritório Antonelli Advogados em proposta a investidores para abrir uma ação coletiva contra a empresa nos Estados Unidos, na tentativa recuperar a perda com o derretimento das ações após o anúncio do escândalo contábil.

“A notícia da recuperação judicial faz-se ainda mais surpreendente quando se verifica a remuneração global dos administradores”, diz o advogado Bernardo Watanabe, lembrando que o valor aprovado para remunerar a administração da companhia em 2022 é 75% superior ao de 2021.
A política de remuneração e o orçamento anual para pagar os benefícios são propostos pelo conselho de administração e aprovados em assembleia de acionistas. Na Americanas, os maiores acionistas são o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, que têm 31% da companhia.

Responsável por propor os valores, o conselho de administração também se beneficiou de aumento: entre 2020 e 2021, o valor médio pago aos conselheiros subiu de R$ 180 mil para R$ 400 mil.

Segundo levantamento feito pelo especialista em governança corporativa Renato Chaves, entre 2012 e 2021, a diretoria da Americanas recebeu R$ 505,4 milhões em salários, bônus e ações. Corrigido pela inflação, o valor supera os R$ 630 milhões.

É quase o dobro do pago no mesmo período às diretorias de Magalu e Lojas Renner, por exemplo. Em valores nominais, a primeira pagou na década R$ 270,8 milhões e a segunda, R$ 252,8 milhões.

Feito com base em formulários apresentados pela empresa à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), o levantamento mostra que a empresa tem uma relação entre remuneração da diretoria e resultado líquido bem superior às outras duas gigantes do varejo brasileiro.

Na Americanas, o valor total pago aos executivos em 2021 equivalia a 11,5% do resultado líquido. Nas Lojas Renner e na Magalu, esse indicador foi de 2,1% e 6,9%, respectivamente.

Ao propor o valor global para 2022, o conselho disse que a política de remuneração da empresa deve promover “uma cultura de superação de resultados através da contratação e retenção das melhores pessoas, alinhadas com os interesses dos acionistas”.

Essa política, continua o texto entregue pelo conselho aos acionistas, deve ser analisada “em bases anuais no sentido de garantir incentivos aos associados para alcançarem resultados excepcionais, sendo recompensados adequadamente”.

O escândalo contábil da Americanas já motivou a abertura de cinco processos na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e em uma ação civil pública movida pelo Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania), além das tratativas para ações coletivas nos Estados Unidos.

“Estamos diante provavelmente da maior fraude corporativa do Brasil”, comenta Chaves. “E a gente espera que a CVM seja mais ágil na apuração, que isso não termine em um termo de compromisso [acordo para encerramento de processo], que passa para o mercado a sensação de impunidade.”