SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Numa fria madrugada do início de novembro, Don Juan sai de casa, na Mooca, zona leste paulistana. Junto de sua mulher, a DJ Allana, ele embarca na van com a equipe técnica em direção ao espaço Internacional Eventos, em Guarulhos, na Grande São Paulo, onde desde a tarde do dia anterior acontecia o Baile do Regente. Durante o percurso, de cerca de 15 minutos, pouco se escuta a voz do tímido funkeiro de 20 anos.

No camarim, minutos antes de subir ao palco, Matheus Wallace, nome de batismo de Don Juan, faz uma inalação. Ele afirma estar esgotado. “Ultimamente tenho sentido pânico e ansiedade. Estou muito cansado, saca?” No dia anterior, o cantor havia feito shows em Belém.

O locutor do evento anuncia o nome do funkeiro que, vestido com blusa e calça brancas da Lacoste, sobe ao palco. Os acontecimentos que seguem duram cerca de três minutos. O DJ Buginha, que o acompanha desde o início da carreira, põe para tocar a batida do sucesso “Oh, Novinha”.

Don Juan canta só alguns segundos do hit. Em seguida, vira para o DJ e reclama do som e inicia outra música estourada, “Bipolar”. Mas, antes de terminar, desce correndo do palco com a mulher, entra na van e vai embora, para o desespero do experiente produtor Dodô, que já cuidou da carreira da dupla Edson & Hudson e hoje é responsável “por segurar as pontas quando os planos dão errado” na carreira do funkeiro.

Dodô tenta dar explicações aos donos do evento. Minutos depois, ele recebe uma mensagem da DJ Allana. “O Don Juan está em casa sentado no chão e chorando.”

Quem acompanha a carreira de dez anos do funkeiro, que hoje é o mais ouvido do país, pode não imaginar que momentos de instabilidade emocional aconteçam. Don Juan tem quase 7 milhões de ouvintes mensais no Spotify –2 milhões a mais que os outros funkeiros populares MCs Davi e Hariel– e acumula mais de 5 bilhões de views no YouTube.

A mistura da voz rouca do cantor com batidas de funk mais modernas segue agradando a seus milhões de seguidores e sendo o seu maior diferencial musicalmente. As letras curtas com refrões simples e despretensiosos, especialidade do cantor, são febre em coreografias do TikTok –como as músicas “Vai Ter que Aguentar” e “Famosinha”.

Porém, essa acensão na carreira só foi possível quando o cantor, aos 17 anos, decidiu parar de cantar funk estilo proibidão e tornou suas letras mais light. Essa mudança de rota pôs Don Juan em parcerias com artistas badalados do sertanejo como Maiara & Maraisa, Wesley Safadão e Luan Santana –sendo o sertanejo um ritmo predominante no Brasil por décadas, os números do MC cresceram a ponto de se tornar o funkeiro mais ouvido do país.

O episódio do show em Guarulhos, no entanto, despertou um alerta para a saúde mental dos cantores de funk e as recorrentes instabilidades na profissão –com escândalos na mídia, frustrações e até depressão.

O carioca MC G15, por exemplo, que estourou com o hit “Deu Onda”, conta que depois da pausa nos shows durante os meses mais críticos da pandemia, em 2020, desenvolveu síndrome do pânico. “Eu precisei cair em depressão e sentir essa dor para começar a me tratar”, afirmou o funkeiro.

Segundo a psicóloga social Tamiris Crystini Motta, que atua no Serviço de Proteção Social a Crianças e Adolescentes, o tratamento psicológico é encarado como um luxo nas periferias e os funkeiros são espelho disso.

“Como não achar que um tratamento particular e clínico não seja excludente? Uma consulta com um profissional custa entre R$ 80 e R$ 100 reais. Como alguém que ganha um salário mínimo de R$ 1.100 pode arcar com isso quatro vezes no mês? Isso em si já é um mecanismo de exclusão. Os artistas de origem periférica sofrem com isso por nunca terem tido acesso a isso”, afirma Motta.

Começar uma terapia é um conselho que vez ou outra Don Juan ouve da mãe. Claudia Santos, de 41 anos, cuidou da carreira do filho até fevereiro deste ano, quando o músico saiu de casa e foi morar com a mulher. “Eu vejo o Don muito cansado e longe dos irmãos –ele é o mais velho, se sente como o pai deles. Sempre aconselho a se tratar, passar no psicólogo. Nem tudo é fama e dinheiro”, diz a mãe do funkeiro.

Ela ainda conta que o filho não teve a presença do pai até a adolescência, quando ainda morava na Cheba, favela na região do extremo sul de São Paulo. “Depois de ter sumido da vida do Don por praticamente toda a infância, o pai dele reapareceu quando ele ficou conhecido. Pediu desculpa pelo que fez, mas o Don disse ‘não tenho o que desculpar, mas não quero você no convívio da minha vida’.”

Além dos traumas familiares que músicos de origem periférica estão mais propensos a passar, as famílias e amigos dos artistas, muitas vezes, viram funcionários em suas carreiras. Fato que durante a pandemia se tornou uma dor de cabeça a mais.

Quem precisou ajudar a administrar a instabilidade emocional e crise financeira dos artistas durante a pandemia foram os contratantes. Rodrigo Santos, de 31 anos, sócio da GR6 Eventos, empresa que atualmente cuida dos shows de Don Juan, diz que ajudou financeiramente os músicos, mas que precisou cortar gastos. “Procuramos manter todos os profissionais, inclusive do backstage. Demos suporte financeiro avaliando os casos que exigiam essa providência”, afirmou.

O empresário ainda conta que a saúde mental dos artistas preocupou a produtora durante a pandemia. “Com os artistas impedidos de fazer shows e de ter contato direto com seus fãs, ficamos preocupados, porém [a saúde mental] sempre foi uma preocupação em especial, tendo em mente que muitos dos artistas são jovens, trabalham em busca da concretização de um sonho.”

Outro fator a se considerar é a perda da privacidade ainda muito cedo. O empresário Mike da Silva Bernardino, de 28 anos, dono do MK Lounge, casa de shows na Vila Liviero, bairro periférico da zona sul de São Paulo, é amigo de Don Juan e foi um dos primeiros a dar oportunidade para o artista.

Ele diz que os MCs mudam de vida do dia para a noite e recebem muito poder, dado pelo dinheiro e mídia. Segundo ele, isso acaba isolando esses artistas do mundo. “A noite desgasta. Estar em contato constante com bebidas e fãs é um peso. Eles ficam rodeados de funcionários dia e noite, que têm medo de falar as coisas necessárias para eles.”

Silva conta que Don Juan confessou que deixou o palco em Guarulhos porque viu o público vaiando. “Eu acho que é muita pressão para uma pessoa de 20 anos e que canta desde os nove.”

“Hoje, é tudo muito fluido. Os objetos de desejo e o consumo se desfazem na mesma lógica que atingem o auge”, comenta Motta, a psicóloga. “E são os artistas que têm que se deparar com a realidade da liquidez passageira.”

Da mesma forma que no verso da música “Bipolar”, que Don Juan divide com os MCs Davi e Pedrinho, que diz “vai se tratar garota!”, o tratamento terapêutico e psicológico na vida dos funkeiros é algo que a indústria da música tem passado a encarar como necessário. Isso para que, assim como afirma a mãe do músico, “tudo não desabe”.